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André Rocha

A sobrevida de José Mourinho no Chelsea – até quando?

André Rocha

05/11/2015 07h37

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Muricy Ramalho costuma dizer que quem está de fora não sabe 10% do que acontece no ambiente de um clube de futebol.

Mas basta acompanhar, mesmo à distância, os passos de José Mourinho no Chelsea para perceber claramente que algo vai muito mal na temporada 2015/16 e os resultados parecem mera consequência do desgaste na relação entre o treinador e o grupo de jogadores. Ou ao menos parte deles.

Porque o técnico luso, em seus últimos trabalhos, vem encontrando dificuldades na terceira temporada. A primeira de transformação com novos métodos e choque de gestão, segunda de afirmação e consolidação. Depois, a rota de colisão com o protagonista em campo – Cristiano Ronaldo no Real Madrid, Hazard na equipe de Londres. Em seguida a queda.

Mourinho é um personagem ímpar. Desde que chamou a atenção do planeta bola em 2004 com o seu primeiro título de Liga dos Campeões no Porto. Sempre carismático e vencedor. Consolidou-se como o melhor treinador do mundo na Internazionale.

A entrada arrebatadora de Pep Guardiola no cenário em 2008 promoveu uma clara mudança em quem se considerava absoluto, o "Special One". Diante de uma revolução no esporte, foi obrigado a dar uma resposta. Conseguiu com a Internazionale na Champions em 2010, depois penou no início com o Real Madrid.

A goleada de 5 a 0 sofrida no primeiro Superclássico alterou definitivamente a maneira de Mourinho ver o futebol. Ainda que muitos enxerguem na partida de volta na semifinal continental em 2010, ainda no clube italiano – derrota por 1 a 0 no Camp Nou – o primeiro "ônibus" estacionado pelo técnico, a postura foi circunstancial. Motivada pela expulsão ainda no primeiro tempo de Thiago Motta. Porque nos 3 a 1 em Milão seu time atacou o Barcelona.

Depois da traumática "maneta" no início da temporada seguinte, Mourinho radicalizou como o "anti-Guardiola". Se o técnico catalão gosta da bola, ele passou a entregá-la ao adversário e fazer sua equipe jogar um futebol prático e objetivo. Concentração absoluta na marcação, com linhas próximas e plantadas na própria área, se preciso. Toques rápidos e verticais, aproveitando os espaços cedidos pelo oponente.

As vitórias em 2011/12 e o título espanhol afirmaram a proposta. Mas veio o desgaste. Não só com Cristiano Ronaldo, mas também Casillas, Sergio Ramos e outros. A saída sem a sonhada "La Decima". No retorno ao Chelsea, a primeira temporada foi de radicalização da proposta defensiva. Como esquecer a retranca sem precedentes nos 2 a 0 que tiraram do Liverpool a chance de título inglês na temporada 2013/2014?

Mas a postura também trouxe duros reveses. Na Liga dos Campeões, eliminações em casa para Atlético de Madrid e PSG. Também muitas críticas pelo excesso de cautela, ou covardia mesmo, na hora de decidir em casa.

Diante de equipes inteligentes e mutantes como o Real Madrid de Carlo Ancelotti e o Barcelona de Luis Enrique, alternando jogo posicional com posse de bola e transições em velocidade conforme a necessidade, ficou a impressão de que o estilo de Mourinho estava ficando obsoleto.

O título inglês, com campanha sólida na liga mais competitiva do planeta, mostrou que o português seguia no topo. Mas novamente a gestão de grupo contaminou o campo. Na terceira temporada.

Nada menos que seis derrotas em 11 jogos pela Premier League. Quatro no Stamford Bridge. Antes, apenas uma em casa, desde sua primeira passagem pelo clube. Tão chocante quanto a 15ª colocação na liga. Em campo, um time disperso, espaçado. Capaz de começar arrasador e depois se desmanchar. Consistência zero.

Silêncio de Mourinho na derrota por 3 a 1 para o Liverpool de Jurgen Klopp e Philippe Coutinho. Enorme responsabilidade para o confronto com o Dínamo de Kiev pela Liga dos Campeões. Outrora favorito no Grupo G, jogando a vida na quarta rodada.

Hazard e Cahill no banco, disputa parelha em Londres. Vitória por 2 a 1, um gol contra e outro a favor de Dragovic. O da vitória marcado pelo protagonista Willian. O quinto de falta do brasileiro na temporada. Nem sinal de uma atuação convincente. Mas resultado fundamental que ainda permite sonhar com liderança do grupo, hoje com o Porto, responsável pela única derrota na competição europeia – 2 a 1 no Estádio do Dragão.

A sobrevida para o treeinador, pressionado internamente e pela imprensa. Porque a torcida ama o português e canta esta idolatria no Stamford Bridge. É o que sustenta, além da multa de 50 milhões de euros em caso de demissão que Roman Abramovich teria que desembolsar em um momento de retração no mercado e investimento na boa base do clube.

Por ora, Mourinho segue empregado. Mas até quando?

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.