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André Rocha

Real Madrid precisa mesmo de um Zidane – o meia, nem tanto o técnico novato

André Rocha

05/01/2016 11h43

Fim da contagem regressiva. Porque o mundo sabia no anúncio de Rafael Benítez como treinador do Real Madrid em junho que era questão de (pouco) tempo.

A demissão de Carlo Ancelotti por conta de uma tríplice coroa do rival Barcelona talvez tenha sido o maior erro de Florentino Pérez como presidente do clube. Talvez maior do que dispensar Makelele e contratar David Beckam em 2003.

Porque Rafa Benítez não podia entregar o futebol vistoso desejado pelos madridistas. O perfil é pragmático. Pior: o 4-2-3-1 quase imutável de suas equipes também não se encaixa na equipe merengue. O técnico bem que tentou posicionar Bale centralizado, James Rodríguez à direita, Cristiano Ronaldo pela esquerda e Benzema enfiado. A ideia morreu ainda no primeiro tempo dos 4 a 0 do Barcelona no Santiago Bernabéu – Bale foi recompor pela esquerda deixando o português mais adiantado.

Numa última tentativa de salvar o emprego, Benítez abriu mão de suas convicções e reposicionou a equipe como nos tempos de Ancelotti: 4-3-3 se transformando em duas linhas de quatro no momento defensivo com Bale recuando à direita e James abrindo pela esquerda.

Flagrante da variação tática do Real Madrid sem a bola: 4-3-3 para o 4-4-2 com Bale voltando pela direita. Ideia de Carlo Ancelotti copiada por Rafa Benítez (reprodução ESPN Brasil).

Flagrante da variação tática do Real Madrid sem a bola: 4-3-3 para o 4-4-2 com Bale voltando pela direita. Ideia de Carlo Ancelotti copiada por Rafa Benítez (reprodução ESPN Brasil).

No último jogo, empate com o Valencia em 2 a 2, Kovacic fez a função do colombiano. Praticamente como um volante pela esquerda, liberando o apoio de Marcelo. Ideias até interessantes, mas faltava coordenação. A equipe adiantava a marcação e se essa pressão não surtisse efeito a última linha de defesa ficava exposta e com muitos espaços às costas.

Na frente, a dependência das individualidades. Como no belo gol de Benzema, em linda combinação: toque de letra de Bale, Ronaldo só preparando com sutileza. Lampejo. Espasmo.

Zidane_tecnico

Acabou. Quase sete meses de penúria. A solução? Zinedine Zidane. Primeira experiência no Real Castilla, não muito bem sucedida. Em novembro, com os primeiros rumores de demissão de Benítez, disse que não estava pronto. Pouco mais de um mês depois assume um enorme desafio, maior que o de Pep Guardiola no Barca em 2008.

E as comparações devem parar por aí. Guardiola sempre foi líder, inquieto, estudioso, questionador. Um construtor de jogo, de filosofia. Revolucionou o futebol mundial. Zidane foi um dos maiores e melhores meias de todos os tempos. Elegante, refinado. Decisivo quando necessário. Liderança técnica. Mas silenciosa, calma. Tem muito mais o perfil de administrador de elencos, como Carlo Ancelotti, de quem foi auxiliar.

No comando técnico, deve repetir Benítez e tentar resgatar as ideias do treinador campeão de "La Décima" em 2014. Time que alterna posse de bola com transições rápidas. Ora jogo posicional, ora contragolpes letais. Só que o italiano se prepara para levar todo sua experiência e versatilidade para o Bayern de Munique. Zidane é apenas um treinador iniciante.

O Real Madrid até precisa de um Zidane, mas para armar o time pela esquerda. Trabalhando com Kroos e Modric, liberando as ultrapassagens de Marcelo, lançando trio "BBC". Acelerando e desacelerando, ditando o ritmo.

Como fazia no seu auge, de 2001 a 2003 – campeão espanhol e da nona Liga dos Campeões. Recebia dos volantes, cortava para dentro abrindo o corredor para Roberto Carlos e acionando Raúl e Morientes, depois Ronaldo Fenômeno. Ainda voltava colaborando na recomposição.

No auge, Zidane saía da esquerda para articular no meio, abrir o corredor para Roberto Carlos e procurando Raúl e Ronaldo (Tactical Pad).

No auge, Zidane saía da esquerda para articular no meio, abrir o corredor para Roberto Carlos e procurando Raúl e Ronaldo (Tactical Pad).

Com Vanderlei Luxemburgo em 2005, chegou a atuar como volante-meia pela esquerda num 4-3-1-2: Gravesen plantado, Beckham à direita e Raúl na ligação com Ronaldo e Owen. Assim goleou o Barcelona de Ronaldinho por 4 a 2 e chegou a disputar o título espanhol, mas já era tarde.

Sob o comando de Vanderlei Luxemburgo, um losango no meio com Zidane pela esquerda, ajudando na recomposição e dividindo a armação com Beckham (Tactical Pad).

Sob o comando de Vanderlei Luxemburgo, um losango no meio com Zidane pela esquerda, ajudando na recomposição e dividindo a armação com Beckham (Tactical Pad).

No Real atual, a dinâmica de Di Maria se encaixou bem na função inicialmente. Mas faltava inventividade para criar espaços. James Rodríguez foi contratado para armar o jogo, porém falta consistência, regularidade. Agora sobra até confusão com a polícia.

A má notícia é que Zinedine Zidane se despediu dos campos com cabeçada em Materazzi numa final de Copa do Mundo em 2006. Agora sua função é pensar em estratégias, sistemas táticos, modelos de jogo. Para outros executarem.

É incógnita. Uma aposta de risco. Ou o ídolo para servir como escudo de Florentino Pérez, que tenta consertar o erro do início da temporada. Será capaz?

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.