Wendell Lira, Big Brother, Cinderela e a comodidade do romantismo
É impossível negar que Wendell Lira foi a grande história da premiação da Bola de Ouro da FIFA. O ex-auxiliar de lanchonete que marcou um golaço pelo Goianésia superando Messi no Prêmio Puskas e ocupando o mesmo espaço que as estrelas milionários numa festa de gala em Zurique.
Um acontecimento para despertar em tantos todo o romantismo misturado com idealismo. Wendell virou uma espécie de símbolo da essência do esporte, do jogar por amor contra o futebol globalizado, com cifras cada vez mais astronômicas. Também o resgate de Davi x Golias. Ou da fábula da Cinderela.
A questão é que Wendell não é um personagem, que permite ao autor contar a sua história e depois passar a existir apenas no imaginário popular. É um cidadão, um atleta de futebol. Um profissional. Agora no Vila Nova, muito por conta da visibilidade que o gol lhe transferiu. Time que vai disputar a Série B do Brasileiro e, por sorte, terá trabalho durante todo o ano.
É cômodo dividir as lágrimas e exaltar a conquista do menos favorecido. O que dói é questionar o porquê do abismo. A razão do desemprego durante boa parte do ano. Porque alguém com talento e inteligência para tomar uma decisão rápida e transformar um lance perdido numa obra prima poderia estar esquecido e voltando ao subemprego.
A eleição do gol de Wendell pela internet, com votos em peso de brasileiros, faz lembrar algumas edições do programa Big Brother Brasil. Alguém conta uma história triste, de pobreza, um drama familiar e os espectadores esquecem alguns critérios de avaliação dos participantes, que não vêm ao caso neste momento, e premiam o mais necessitado. Uma piedade que consola ou faz se sentir "vingado". Mas não resolve o problema.
No fundo, Wendell não representou o cidadão comum em meio aos popstars. Ele é, ou era, uma vítima do sistema viciado do futebol brasileiro. Da estrutura federativa que sustenta os estaduais que garantem poder à CBF. Que enfraquece e escraviza os clubes e seus dirigentes amadores e torcedores, incapazes de se unir pela própria independência.
Wendell devia ter sido avaliado apenas pela beleza de seu gol. Poderia até ter visto Messi levar também o Puskas para Barcelona. Mas voltar para casa com dignidade na acepção mais nobre, sem depender das migalhas da sensação de vitória de virada de quem vibrou com seu momento de glória. Talvez o único. Um one-hit wonder.
Quem se importa? Talvez no ano que vem haja duas ou três reportagens do tipo "Lembra dele?" ou "Por onde anda?" Até a próxima pauta, até a próxima comoção convenientemente bem explorada, mas não discutida.
Porque o romantismo é cômodo e se alimenta da redenção, que só pode existir com lágrimas e injustiça. Seja no conto da Cinderela ou na saga do brasileiro desfavorecido. Mas sem sapatinho de cristal e a felicidade eterna.
A vida segue. Que ela seja mais digna e menos madrasta com Wendell Lira.
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