Modelo não, exceção! Por que o Leicester pode fazer mal ao nosso futebol
Na liga mais valiosa do mundo, um candidato ao rebaixamento antes da primeira rodada ocupa o topo da tabela a seis jogos do final, com cinco pontos de vantagem. Jogadores desacreditados e um treinador ridicularizado em incrível simbiose.
O Leicester City 2015/16 já é histórico. Mesmo se permitir uma reação do Tottenham, outra surpresa da temporada. A esta altura, vencer ou perder o título da Premier League causará comoção no planeta bola. Porque o impossível agora é provável. A virada na confiança foi nos 3 a 1 sobre o City em Manchester. Com autoridade.
Com Mahrez, 16 gols e 11 assistências, conseguindo atuações de melhor "winger" do mundo, Vardy com incrível felicidade nas finalizações – 19 bolas nas redes, duas a menos que o goleador máximo Harry Kane. Kanté se multiplicando no meio-campo. Especialmente Cláudio Ranieri dando uma aula de fazer mais com menos.
Eis o ponto. O Leicester encanta pela imprevisibilidade, pelo mito Davi x Golias. Por aproveitar o vácuo dos times de Manchester em transição, o tempo perdido do Chelsea com José Mourinho, a chegada tardia de Jurgen Klopp no Liverpool e a hesitação costumeira do Arsenal de Wenger.
O estilo, porém, é pragmático até a medula. Não quer a posse, só o erro do rival, a transição rápida e arriscada com passes verticais até acertar o contragolpe perfeito. Sim, soa uma heresia no calor da campanha lendária. Mas o Leicester joga feio. Não tem mais o ataque mais positivo, nem a defesa menos vazada. É o que mais pontua, porém.
Estratégia legítima pelo contexto do clube e dos concorrentes. O problema é se transformar em referência. Um duelo entre dois exemplares da equipe de Ranieri pode até ser eletrizante. Mas quem erraria na tentativa de propor o jogo, com linhas avançadas, para viabilizar as transições rápidas? Uma força anularia outra semelhante?
Se considerarmos que o Barcelona do trio MSN, Pep Guardiola e mesmo o Real de Cristiano Ronaldo, com todas as suas oscilações, são exceções na história do esporte, o Leicester é um modelo mais viável.
E já habita o imaginário popular do brasileiro que desde 1982 fala em vencer feio e perder bonito como se fossem as únicas opções. Injustiça com 1994, mais ainda com 2002.
A história mostra que os vencedores ditam as regras. No passado ainda mais pelo acesso restrito à informação. A Itália campeão na Espanha há quase 34 anos, até por ter a liga mais competitiva do mundo à época, fez o futebol mais prático e menos plástico. O líbero Scirea foi influência para o 3-5-2 que viria com a Dinamarca e a Argentina. A proposta de Carlos Bilardo era garantir solidez defensiva, saída em velocidade e bola para Maradona.
Acabou na Copa de 1990 com as seleções, inclusive a Alemanha, invertendo o 2-3-5 dos primórdios para cinco na defesa, três no meio e dois no ataque. Ou apenas um. Era de sombras, apesar do Milan de Arrigo Sacchi. Uma exceção como os times dominantes de agora.
O Leicester é mais palpável. Em terra brasilis, sem tempo para treinar, com exigência de resultados imediatos e jogadores que não foram preparados para jogar coletivamente em benefício do talento e não dependente dele, os modelos Barcelona e Bayern, construídos com paciência e outra cultura tática, são realidades distantes. Mas adaptáveis, como o Corinthians de Tite, o melhor exemplo.
O perigo é a equipe de Ranieri virar moda por aqui. Inclusive ressuscitando treinadores obsoletos, como era o caso do italiano. Mas podem voltar ao mercado colocando em prática uma maneira de jogar que não é totalmente estranha, só precisaria de uma atualização em compactação e marcação por zona. Nada muito complexo. Mas um retrocesso que faria mal ao nosso futebol.
Porque o que ocorre na Inglaterra não é revolução, mas uma conjunção de astros. A exceção que confirma a regra. Lindo de ver e, talvez, torcer. Nem tanto de copiar.
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