Por que a marcação individual do Palmeiras de Cuca é um retrocesso
As quatro derrotas no início de Cuca no Palmeiras, com um clássico contra o maior rival na seqüência, fizeram o treinador resgatar uma velha prática que pelas primeiras partidas parecia descartada: a marcação individual.
O conceito é simples: cada um pega o seu e persegue por todo o campo. Um sobra. Assim foi com Gabriel sobre Guilherme, Arouca em cima de Elias, Robinho e Zé Roberto acompanhando os laterais do Corinthians no dérbi.
Também nos três zagueiros na Argentina para conter Marco Ruben e Herrera nos 3 a 3 contra o Rosário Central pela Libertadores. Como disse Cuca ao nosso PVC, a ideia é ter "um time por jogo". Armado em função do oponente. Tática reativa.
A origem, ou a primeira prática que se tem notícia, vem do Arsenal de Herbert Chapman, criador do WM. Saiu do 2-3-5 para o 3-2-2-3, com um defensor para cada atacante. Depois a Itália bicampeã mundial em 1934/38, com Vittorio Pozzo e seu "WW" (2-3-2-3). Futebol força como instrumento de propaganda fascista.
Mas foi outra versão de Azzurra que ficou no imaginário brasileiro, com um especialista em marcação individual que virou lenda: Claudio Gentile. Caçador de Maradona e Zico em 1982. Lateral direito de origem transformado em volante para tentar anular os craques. Para isso o meia Oriali foi transferido para a lateral.
Deu certo. Título mundial, o terceiro italiano. Curiosamente um país ligado ao Palmeiras pelo sangue.
Resultado positivo. Por isso passou a ser tratado como modelo. No Brasil começou a ser utilizado para anular talentos. Depois compensar laterais que mais apoiavam que marcavam e os técnicos não queriam presos à última linha. Mais prático "bater" os alas e distribuir os outros duelos.
A vantagem é irritar e desestabilizar com uma marcação sufocante e obsessiva. Se bem executada, mina mentalmente o oponente. Contra um time que depende de apenas um jogador costuma ser eficiente.
As "contra-indicações", porém, são mais danosas. Ainda mais em 2016. Qualquer drible ou desmarque cria um efeito dominó, já que só há uma sobra lá atrás. Se o rival alargar o campo espaça os setores, obriga a marcar correndo. Cansa. O Palmeiras acusou o desgaste no segundo tempo na Argentina.
Outro problema é que se o adversário promove intensa movimentação, o time vira uma bagunça. Bola roubada, não há organização para o início da construção do jogo. Normalmente a saída é buscar uma bola longa para dar tempo dos jogadores retornarem aos seus setores.
Pode dar certo, como funcionou no clássico que podia ter acabado em derrota se Lucca tivesse convertido o pênalti defendido por Fernando Prass. E gerou elogios rasgados a Cuca. Porque este tipo de marcação dá um ar de estrategista ao treinador.
Basta o time correr mais e ser muito intenso e concentrado sem a bola. Como foi o Palmeiras, até pela necessidade. As chances de dar errado, porém, são imensas.
No futebol atual, a marcação por zona, que tem como referência a bola e o espaço, vem sendo bem mais eficiente. Faz pressão na bola, fecha as possibilidades de passe com linhas próximas. Compactação vertical estreitando a marcação. Time posicionado, com coberturas mais coordenadas. Poupa energias, não sacrifica um homem atrás do talento rival.
No ano passado, o Athletic Bilbao tentou encaixotar Messi com marcação individual na final da Copa do Rei. Devidamente pulverizada pelo gênio argentino, com requintes de crueldade: o golaço enfileirando marcadores que concorreu ao Prêmio Puskas.
Cuca foi campeão da Libertadores em 2013. Mas penou no jogo de ida contra o Olimpia. Também por um revés na marcação individual: no primeiro gol, o lateral Alejandro Silva limpou Luan, Richarlyson ficou com Pittoni e abriu-se um clarão que estourou em Rever, na sobra. Outra finta e gol do time paraguaio.
Victor salvou na decisão por pênaltis. Mas contra o Raja Casablanca pela semifinal do Mundial Interclubes em Marrakech foi trágico.
Na própria Itália de 1982 havia buracos. No primeiro gol do Brasil na "Tragédia do Sarriá", Zico limpa Gentile, Sócrates, que iniciara a jogada, ultrapassa às costas de Cabrini e o líbero Scirea não chega a tempo de evitar a conclusão.
A marcação por zona também não é perfeita. Mas funciona de forma mais inteligente na maioria das vezes.
Cuca prefere a individual. Escolha legítima, não significa que está errado. No Brasil, o resultado quase sempre garante a razão. Conceitualmente, porém, é um retrocesso.
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