Guardiola faz história, fracassa e amadurece em Munique. Porque é humano!
O tetracampeonato alemão do Bayern de Munique coloca Pep Guardiola, com três títulos, na história do clube e do futebol do país. Pelo ineditismo das quatro conquistas seguidas e também pela autoridade com que se impôs diante dos rivais.
Mesmo descontando o abismo financeiro, a camisa pesada e o hábito de se reforçar enfraquecendo rivais, a competência em tempos de Leicester e Atlético de Madri é inquestionável. Até porque a campanha do Borussia Dortmund nesta temporada foi muito sólida, garantiria a salva de prata em outras edições.
Em 101 jogos nas três temporadas até aqui, a equipe sob o comando do catalão conseguiu nada menos que 81 vitórias, 11 empates e apenas nove derrotas. Incrível aproveitamento de 84%. Marcou 251 gols, sofreu 57. Consistência impressionante.
Mas também fracassou. Por não vencer a Liga dos Campeões. Ao menos uma edição. Fracasso, sinônimo de insucesso. Talvez a grita na defesa do treinador genial e vencedor que criou uma espécie de seita com um séquito fiel de defensores incondicionais em todo o mundo seja por conta da leitura americana, que separa o mundo entre vencedores e perdedores. Uma pena eterna.
Tolice, pois Claudio Ranieri, humilhado há menos de dois anos depois da derrota da Grécia que comandava para as Ilhas Faroe pelas Eliminatórias da Eurocopa e agora consagrado como campeão inglês. Como se grandes cientistas descobrissem e testassem fórmulas apenas uma vez de maneira perfeita. Sem um revés. Sem fracasso.
O Bayern contratou Guardiola para criar uma identidade, sim. Mas também vencer a Champions. Basta contextualizar, voltar no tempo: sua contratação foi anunciada em janeiro de 2013. Antes do clube conquistar a tríplice coroa. O cenário durante a negociação era de um time que perdera a hegemonia nacional para o Dortmund de Klopp e havia sido derrotado pelo Chelsea em casa na final do principal torneio da Europa.
A tríplice coroa era inimaginável quando o Bayern se interessou por Guardiola. Mas veio e transferiu enorme responsabilidade para o técnico que conseguira desempenho, resultado e encanto com o Barcelona. Ainda assim, na primeira temporada o objetivo estabelecido pela direção dos bávaros foi o título alemão. Mas depois do domínio no país consolidado, era óbvia a meta de voltar a vencer no continente.
O título não veio. A outra má notícia é que a identidade foi se diluindo na busca dos resultados. Mais uma prova de que a Champions era um alvo capaz de jogar até as convicções para o alto. Como na volta das oitavas-de-final contra a Juventus em Munique. Com 2 a 0 contra e o time preso na armadilha italiana, Guardiola e time mandaram os princípios de jogo às favas e partiram para um abafa de sucessivos cruzamentos na área até empatar.
O mesmo diante do Atlético de Madri na semifinal. Faltou um gol. Sem resultado e estilo. Porque vale a lembrança de que posse de bola o time comandado por Heynckes também tinha. Na temporada vencedora só ficou atrás do Barcelona em toda a Europa. Média superior a 60%.
Assim como havia jogo de posição, quando necessário. Maneira de atacar que não é monopólio de Guardiola – Manuel Pellegrini, Louis Van Gaal e Thomas Tuchel também trabalham com essa proposta. O Bayern apostou no treinador para vencer tudo. O trabalho ficou incompleto.
O que não quer dizer que a passagem pela Baviera não tenha valido à pena. Guardiola amadureceu. Saiu do método que conhecia desde sempre em Barcelona para ser contracultura em território alemão. Não abriu mão da posse de bola, o resto cedeu às pressões, ao espírito e às práticas germânicas. Pareceu flexível demais e menos fiel a si mesmo nesta jornada derradeira. Mas cresceu.
O Guardiola que comandará o Manchester City passa a impressão de um técnico ideal para ligas. Não por acaso venceu seis em sete temporadas comandando times de primeira divisão. Trabalho árduo jogo a jogo, estudo obsessivo dos adversários, capacidade de manter seus jogadores mobilizados, mesmo em meio a crises, como as brigas com o departamento médico e vazamentos de problemas internos.
Na Champions, sem o conforto de Barcelona e o gênio de Messi, com tudo sendo decidido em apenas dois jogos, em muitos momentos hesitou. Contra o Real Madrid errou na estratégia em Munique, diante do Barcelona arriscou três defensores contra o trio MSN de início e depois mudou. A escalação no confronto com o Atlético de Simeone em Madri não foi das mais felizes.
Tudo parte do aprendizado, da evolução profissional. São apenas sete temporadas. Talvez os 20 títulos, que podem chegar a 21 se vencer o Dortmund na final da Copa da Alemanha – o que construiria a incrível média de três por ano – tenham criado uma aura de infalível ou imbatível. Mas há muito a aprender. Sempre. Mesmo para Josep Guardiola.
A saga ganhará novos capítulos na Inglaterra. Numa liga mais equilibrada, de jogos mais intensos. Sem respiro para priorizar a Champions, mas com a mesma pressão para vencê-la, até porque o investimento será altíssimo e a autonomia absoluta.
É provável que chegue já fluente no inglês britânico. A única certeza é que carregará o mundo nas costas, com seus fiéis, detratores e os que cultuam o futebol bem jogado acompanhando cada passo. O Guardiola obcecado, perfeccionista de sempre. Capaz de fazer história, fracassar e amadurecer.
Não o heroi infalível que habita o imaginário dos mais fanáticos. Brilhante, revolucionário, um dos maiores de todos os tempos. Mas ainda humano.
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