Alemanha e Itália apresentam a lógica por trás da volta dos três zagueiros
Quando Sepp Piontek adicionou um zagueiro, ou retirou um defensor, na Dinamarca da Eurocopa de 1984 e, quase ao mesmo tempo, Carlos Bilardo adotou prática semelhante na Argentina, o raciocínio era idêntico.
Se o jogo se definia no meio-campo, para que deixar quatro defensores para marcar apenas dois atacantes? Com três, a sobra era garantida e haveria cinco homens entre as intermediárias para criar superioridade numérica.
Eram tempos de marcação individual, influenciada pela Itália campeã do mundo e que tinha a principal liga do planeta. Na final da Copa de 1982, Enzo Bearzot montou a Azzurra com Bergomi e Collovati pegando Fischer e Rummenigge para sobrar o líbero Scirea.
E Gentile, que perseguiu Maradona e Zico como um volante cão de guarda no "grupo da morte" na segunda fase? Foi ala, pela direita, para fazer o cruzamento para o primeiro gol, de Paolo Rossi, nos 3 a 1 sobre a Alemanha que garantiram o tricampeonato no Santiago Bernabéu.
A Argentina venceu no México em 1986 com Brown na sobra de Ruggeri e Cuciuffo e Maradona fazendo mágica na frente. O auge dos três zagueiros com encaixes individuais veio em 1990 na Itália com o tri alemão, mas como símbolo do jogo truncado. Um marco, como definiu o jornalista inglês Jonathan Wilson em seu livro "Invertendo a Pirâmide", da virada do 2-3-5 dos primórdios do esporte para o 5-3-2.
Porque a ideia de ter mais gente no meio-campo foi deturpada. A começar pelo Brasil de Sebastião Lazaroni, que escalou três zagueiros com a intenção de dar liberdade aos laterais que jogavam abertos e não preenchiam os espaços no centro.Ou seja, eram laterais dois passos à frente.
Com o advento do 4-2-3-1 no final dos anos 1990, início dos 2000, não fazia sentido manter uma trinca de defensores para vigiar apenas um atacante. E se o adversário fosse ousado adiantava os dois meias abertos como pontas e matava a sobra. O 3-5-2 sumiu do mapa, com algumas exceções.
Uma delas era o México do técnico argentino Ricardo La Volpe. Mas não com o propósito único de defender e sim qualificar a saída de bola e dificultar a pressão do adversário com dois zagueiros bem abertos e Rafa Márquez no centro distribuindo de trás.
Inspiração no Barcelona e no Bayern de Munique para Pep Guardiola, discípulo também de Johan Cruyff, Louis Van Gaal e Marcelo Bielsa, três que inovaram nos anos 1990 por trabalharem com três zagueiros buscando a imposição do jogo. Na Itália, Antonio Conte se consagrou na Juventus que domina o futebol do país desde 2011/12 também com um trio atrás. Mas com marcação por zona, não individual.
A lógica por trás deste retorno está na capacidade de se adaptar ao futebol atual, de compactação e falta de espaços para quem tem a bola.
Se a equipe tem três zagueiros que sabem sair jogando, qual a necessidade de recuar tanto um volante para fazer a saída de bola? Até porque normalmente um outro jogador do meio-campo precisa recuar para dar opção de passe. Com o trio de passadores atrás o preenchimento do meio é maior.
Além disso, a utilização de alas garante a amplitude, a possibilidade de abrir o jogo. Porque se os ponteiros atuam normalmente com os pés invertidos – o destro à esquerda e o canhoto pela direita – e procuram o centro, deixando os corredores para os laterais, é mais inteligente garantir mobilidade e presença na área com pelo menos três jogadores mais agressivos se mexendo e os alas partindo de um posicionamento mais avançado.
Atrás, a meta hoje é negar espaços no último terço, impedindo os passes em profundidade. Então para que sacrificar um ponteiro ou meia voltando tanto para impedir a ultrapassagem do lateral adversário se pode ter um ala posicionado numa linha de cinco?
Três centralizados tapando as tabelas no meio e dois abertos. De acordo com o lado atacado, um ala avança e o outro faz a diagonal de cobertura. Mais gente ocupando os espaços onde o jogo se decide. Inteligência. Quem mostrou para o mundo? A Costa Rica e seu 5-4-1 que tirou Itália e Inglaterra na fase de grupos da Copa no Brasil em 2014.
Tudo isso foi visto em Marselha no duelo entre Alemanha e Itália pelas quartas-de-final da Eurocopa. Surpresa do lado alemão com Joachim Low escalando Howedes como zagueiro pela direita fazendo companhia a Boateng centralizado e Hummels à esquerda.
O objetivo não era simplesmente espelhar o rival para encaixar a marcação, e sim empurrar o rival para o próprio campo, além de negar a Giaccherini as brechas para inflitrar como elemento surpresa italiano se juntando a Eder e Pellé na frente variando o 5-3-2 para o 3-4-3.
Saída qualificada de trás, jogada pelos lados com os alas Kimmich e Hector, distribuição com Toni Kroos e muita movimentação na frente de Muller, Ozil, Mario Gómez e Khedira, depois Schweinsteiger.
A Azzurra de Conte sofreu, mas respondeu com concentração absoluta sem a bola, coordenação quase perfeita entre os setores e um princípio de jogo inegociável: não entregar a posse, mesmo com uma proposta defensiva forçada pelo oponente. Jogo apoiado sempre.
Lá atrás, linha de cinco com a trinca da Juventus: Barzagli, Bonucci e Chiellini. Mas não fosse a diagonal do ala direito Florenzi e o incrível golpe que desviou o chute de Muller, a Alemanha teria aberto o placar no início do segundo tempo. O mesmo Florenzi que apareceu na frente para a conclusão mais perigosa da Itália no primeiro tempo. Ala multifuncional.
Mas quando Gómez saiu pela esquerda e desequilibrou tudo com um passe improvável para a ultrapassagem de Hector, o sistema italiano ruiu num efeito dominó. Ozil apareceu livre chegando de trás para abrir o placar.
A Alemanha não recuou e quase ampliou com Gómez. Excepcional defesa de Buffon. A intenção de Low passou a ser "esconder" a bola até o final. Teria dado certo não fosse o inexplicável movimento de Boateng com os braços erguidos dentro da própria área. Pênalti que Bonucci converteu.
Empate persistente no tempo normal, na prorrogação e nos pênaltis do histórico confronto entre os cobradores e Buffon e Neuer, os dois melhores goleiros do mundo. Até o alemão pegar o chute de Darmian e Hector definir após 18 cobranças.
A Alemanha segue sem vencer a Itália em jogos oficiais. Mas desta vez sai classificada em uma disputa que foi o retrato do futebol de hoje: pensado, estudado, baseado no erro zero. De passes e movimentos, controlando as próprias ações e dos rivais. Nem sempre bonito ou cheio de gols.
Os três zagueiros foram apenas um suporte ou veículo para ocupar os espaços mais importantes do campo, na defesa e no ataque. Na busca do mais simples no futebol: jogar com a bola e, sem ela, não deixar o adversário se impor. Melhor para os campeões do mundo.
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