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André Rocha

Alemanha e Itália apresentam a lógica por trás da volta dos três zagueiros

André Rocha

03/07/2016 09h59

Quando Sepp Piontek adicionou um zagueiro, ou retirou um defensor, na Dinamarca da Eurocopa de 1984 e, quase ao mesmo tempo, Carlos Bilardo adotou prática semelhante na Argentina, o raciocínio era idêntico.

Se o jogo se definia no meio-campo, para que deixar quatro defensores para marcar apenas dois atacantes? Com três, a sobra era garantida e haveria cinco homens entre as intermediárias para criar superioridade numérica.

Eram tempos de marcação individual, influenciada pela Itália campeã do mundo e que tinha a principal liga do planeta. Na final da Copa de 1982, Enzo Bearzot montou a Azzurra com Bergomi e Collovati pegando Fischer e Rummenigge para sobrar o líbero Scirea.

E Gentile, que perseguiu Maradona e Zico como um volante cão de guarda no "grupo da morte" na segunda fase? Foi ala, pela direita, para fazer o cruzamento para o primeiro gol, de Paolo Rossi, nos 3 a 1 sobre a Alemanha que garantiram o tricampeonato no Santiago Bernabéu.

A Argentina venceu no México em 1986 com Brown na sobra de Ruggeri e Cuciuffo e Maradona fazendo mágica na frente. O auge dos três zagueiros com encaixes individuais veio em 1990 na Itália com o tri alemão, mas como símbolo do jogo truncado. Um marco, como definiu o jornalista inglês Jonathan Wilson em seu livro "Invertendo a Pirâmide", da virada do 2-3-5 dos primórdios do esporte para o 5-3-2.

Porque a ideia de ter mais gente no meio-campo foi deturpada. A começar pelo Brasil de Sebastião Lazaroni, que escalou três zagueiros com a intenção de dar liberdade aos laterais que jogavam abertos e não preenchiam os espaços no centro.Ou seja, eram laterais dois passos à frente.

Com o advento do 4-2-3-1 no final dos anos 1990, início dos 2000, não fazia sentido manter uma trinca de defensores para vigiar apenas um atacante. E se o adversário fosse ousado adiantava os dois meias abertos como pontas e matava a sobra. O 3-5-2 sumiu do mapa, com algumas exceções.

Uma delas era o México do técnico argentino Ricardo La Volpe. Mas não com o propósito único de defender e sim qualificar a saída de bola e dificultar a pressão do adversário com dois zagueiros bem abertos e Rafa Márquez no centro distribuindo de trás.

Inspiração no Barcelona e no Bayern de Munique para Pep Guardiola, discípulo também de Johan Cruyff, Louis Van Gaal e Marcelo Bielsa, três que inovaram nos anos 1990 por trabalharem com três zagueiros buscando a imposição do jogo. Na Itália, Antonio Conte se consagrou na Juventus que domina o futebol do país desde 2011/12 também com um trio atrás. Mas com marcação por zona, não individual.

A lógica por trás deste retorno está na capacidade de se adaptar ao futebol atual, de compactação e falta de espaços para quem tem a bola.

Se a equipe tem três zagueiros que sabem sair jogando, qual a necessidade de recuar tanto um volante para fazer a saída de bola? Até porque normalmente um outro jogador do meio-campo precisa recuar para dar opção de passe. Com o trio de passadores atrás o preenchimento do meio é maior.

Além disso, a utilização de alas garante a amplitude, a possibilidade de abrir o jogo. Porque se os ponteiros atuam normalmente com os pés invertidos – o destro à esquerda e o canhoto pela direita – e procuram o centro, deixando os corredores para os laterais, é mais inteligente garantir mobilidade e presença na área com pelo menos três jogadores mais agressivos se mexendo e os alas partindo de um posicionamento mais avançado.

Atrás, a meta hoje é negar espaços no último terço, impedindo os passes em profundidade. Então para que sacrificar um ponteiro ou meia voltando tanto para impedir a ultrapassagem do lateral adversário se pode ter um ala posicionado numa linha de cinco?

Três centralizados tapando as tabelas no meio e dois abertos. De acordo com o lado atacado, um ala avança e o outro faz a diagonal de cobertura. Mais gente ocupando os espaços onde o jogo se decide. Inteligência. Quem mostrou para o mundo? A Costa Rica e seu 5-4-1 que tirou Itália e Inglaterra na fase de grupos da Copa no Brasil em 2014.

Tudo isso foi visto em Marselha no duelo entre Alemanha e Itália pelas quartas-de-final da Eurocopa. Surpresa do lado alemão com Joachim Low escalando Howedes como zagueiro pela direita fazendo companhia a Boateng centralizado e Hummels à esquerda.

Flagrante da saída de bola alemã com Howedes e Hummels abertos, Boateng centralizado e Kroos recuando para criar superioridade numérica contra Pellè, Eder e Giaccherini e empurrar a Itália para o próprio campo (reprodução Sportv).

Flagrante da saída de bola alemã com Howedes e Hummels abertos, Boateng centralizado e Kroos recuando para criar superioridade numérica contra Pellè, Eder e Giaccherini e empurrar a Itália para o próprio campo (reprodução Sportv).

O objetivo não era simplesmente espelhar o rival para encaixar a marcação, e sim empurrar o rival para o próprio campo, além de negar a Giaccherini as brechas para inflitrar como elemento surpresa italiano se juntando a Eder e Pellé na frente variando o 5-3-2 para o 3-4-3.

Saída qualificada de trás, jogada pelos lados com os alas Kimmich e Hector, distribuição com Toni Kroos e muita movimentação na frente de Muller, Ozil, Mario Gómez e Khedira, depois Schweinsteiger.

A Azzurra de Conte sofreu, mas respondeu com concentração absoluta sem a bola, coordenação quase perfeita entre os setores e um princípio de jogo inegociável: não entregar a posse, mesmo com uma proposta defensiva forçada pelo oponente. Jogo apoiado sempre.

Lá atrás, linha de cinco com a trinca da Juventus: Barzagli, Bonucci e Chiellini. Mas não fosse a diagonal do ala direito Florenzi e o incrível golpe que desviou o chute de Muller, a Alemanha teria aberto o placar no início do segundo tempo. O mesmo Florenzi que apareceu na frente para a conclusão mais perigosa da Itália no primeiro tempo. Ala multifuncional.

A última linha defensiva da Itália. Como a Alemanha ataca pela direita, De Sciglio sai para bloquear a descida de Kimmich. Do lado oposto, Florenzi cuida de uma possível inversão de bola para Hector. Espaços ocupados na zona de decisão (reprodução Sportv).

A última linha defensiva da Itália. Como a Alemanha ataca pela direita, De Sciglio sai para bloquear a descida de Kimmich. Do lado oposto, Florenzi cuida de uma possível inversão de bola para Hector. Espaços ocupados na zona de decisão (reprodução Sportv).

Mas quando Gómez saiu pela esquerda e desequilibrou tudo com um passe improvável para a ultrapassagem de Hector, o sistema italiano ruiu num efeito dominó. Ozil apareceu livre chegando de trás para abrir o placar.

A Alemanha não recuou e quase ampliou com Gómez. Excepcional defesa de Buffon. A intenção de Low passou a ser "esconder" a bola até o final. Teria dado certo não fosse o inexplicável movimento de Boateng com os braços erguidos dentro da própria área. Pênalti que Bonucci converteu.

Empate persistente no tempo normal, na prorrogação e nos pênaltis do histórico confronto entre os cobradores e Buffon e Neuer, os dois melhores goleiros do mundo. Até o alemão pegar o chute de Darmian e Hector definir após 18 cobranças.

A Alemanha segue sem vencer a Itália em jogos oficiais. Mas desta vez sai classificada em uma disputa que foi o retrato do futebol de hoje: pensado, estudado, baseado no erro zero. De passes e movimentos, controlando as próprias ações e dos rivais. Nem sempre bonito ou cheio de gols.

Os três zagueiros foram apenas um suporte ou veículo para ocupar os espaços mais importantes do campo, na defesa e no ataque. Na busca do mais simples no futebol: jogar com a bola e, sem ela, não deixar o adversário se impor. Melhor para os campeões do mundo.

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.