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André Rocha

Algumas coisas que precisam ser ditas sobre Corinthians e arbitragem

André Rocha

30/09/2016 09h15

As declarações de Mano Menezes, treinador que comandou o Corinthians de 2008 a 2010 até assumir a seleção brasileira e depois em 2014, insinuando um favorecimento sistemático da arbitragem ao clube paulista nos jogos em sua arena, depois da vitória sobre o Cruzeiro comandado pelo técnico pela Copa do Brasil seriam algo para ser levado muito a sério.

Afinal, um profissional que esteve no comando técnico há tão pouco tempo, ainda que com outra diretoria, conhece ou deveria conhecer bem os mecanismos nas entranhas do clube.

Só que Mano tem uma verdadeira obsessão por arbitragem. Reclama desproporcionalmente até de um lateral invertido. Quase sempre transferindo a responsabilidade de suas derrotas, inclusive no próprio Corinthians.

Colocado numa saia justa óbvia ao ser questionado se também via esse favorecimento quando trabalhava lá afirmou que o problema é "recente". Resposta mais que previsível, já que o treinador saiu magoado por ter sido descartado duas vezes pela atual direção: no final de 2014 e agora na sucessão de Tite.

De fato, o histórico de erros que favoreceram ou não prejudicaram o Corinthians, especialmente em Itaquera, é grande. Só neste Brasileiro é possível citar os pênaltis claros de Cássio em Ábila, também contra o Cruzeiro de Mano (no Pacaembu), e de Marquinhos Gabriel sobre Marcos Júnior no duelo contra o Fluminense, além das não expulsões de Fagner na entrada criminosa sobre Éderson do Flamengo e de Cássio no pontapé sobre Dodô do Figueirense.

Tudo armado? Não é tão simples assim. Primeiro porque o tema arbitragem é sempre muito espinhoso. O lado supostamente favorecido exige provas irrefutáveis. É seu direito, inclusive. E os prejudicados, especialmente os torcedores, cobram da imprensa acusações apenas com indícios. Nenhuma surpresa no país do "não há provas, mas temos convicções".

A questão é que há um mecanismo implícito que acaba sempre pesando a favor do time mais popular e, por isto, poderoso que este nem precisa provocar. Porque é ele que faz a roda girar. O famoso "trem pagador".

Acontece de forma escancarada na Espanha com Barcelona e Real Madrid. Marcas globais, poderosíssimas. Na dúvida, o árbitro vai marcar a favor dos gigantes. Especialmente se for no Camp Nou ou no Santiago Bernabéu.

Esquema? Não, nem é preciso. A arbitragem já entra naturalmente pressionada. Se não tiver convicção e errar contra o mais forte a chance de pegar uma "geladeira" é grande. Se não apita os grandes jogos a carreira não decola. E muitas vezes a família já conta com aquela grana extra no orçamento de quem tem seu salário em outra atividade. O velho problema de não profissionalizar o árbitro.

Os lances descritos acima são claros na TV, com close e imagem congelada. No campo o juiz pode estar longe, o auxiliar não ter convicção porque um jogador dificultou sua visão. E se não tem certeza…

O caso da Máfia do Apito em 2005 – outro questionamento eterno de quem não é corintiano – deixou algumas lições esquecidas. O próprio Edílson Pereira de Carvalho, pivô do escândalo, na época explicou como funciona uma arbitragem "encomendada": as decisões para prejudicar um time são sutis. Um lateral invertido, uma falta não marcada para irritar os jogadores e, consequentemente, aplicar cartões e deixar vários pendurados. Uma reação em cadeia para se construir o resultado desejado sem deixar rastros.

Este que escreve não é jornalista investigativo. Nunca quis ser, até por falta de talento (e estômago). Mas temos alguns excelentes no Brasil. O melhor de todos, sem desmerecer os demais, chama-se Lucio de Castro. Premiado tantas vezes pelos serviços prestados e injustamente afastado do mercado, hoje tem tempo e independência para vasculhar o que quiser.

Além disso, basta observar o quanto decolou a carreira, com toda justiça, do colega André Rizek depois da repercussão de seu trabalho para a Revista Placar sobre o "Caso Edílson" há onze anos para ver o quanto pesa este tipo de reportagem. Não é absurdo pensar que se houvesse uma pequena fumaça o incêndio já teria sido revelado há tempos.

No mundo ideal haveria isonomia no tratamento dos clubes. A vida real é bem diferente. Somos humanos, frágeis, inseguros. O instinto de proteção manda não se indispor com quem tem mais força. Ainda mais no Brasil.

E o Corinthians é gigante. A torcida é imensa e joga junto. Consome qualquer produto, seja a camisa do clube ou informação. Se está disputando o topo da tabela é melhor para toda a cadeia produtiva. Inclusive a jornalística. Só para citar um exemplo, talvez o canal Fox Sports não tivesse crescido tanto no país nestes quatro anos se o Corinthians não vencesse a Libertadores na estreia da emissora em 2012.

Colocar as conquistas recentes do time paulista na conta da arbitragem é aceitável no papo de boteco, nas provocações dos torcedores. Objetivamente não cabe, até por desmerecer o trabalho de grandes profissionais. Inclusive Tite, que mostra sua competência já neste início no comando da seleção brasileira.

Não é justo. Assim como o mundo tem suas injustiças. Na falta de certezas, a balança quase sempre vai pesar para o lado mais forte. O Corinthians construiu sua grandeza com suor, carisma, uma bela história de clube popular e conquistas. Não pode levar a culpa.

Ao menos até que se prove o contrário.

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.