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André Rocha

Palmeiras, Flamengo e a falácia do "jogar pra ganhar"

André Rocha

14/10/2016 07h08

Outro dia este que escreve ouviu o comentarista Alexandre Oliveira da ESPN Brasil analisando a situação do São Paulo no programa "Bate Bola" da hora do almoço e concluindo que Ricardo Gomes deveria esquecer sua visão de futebol, não pensar em jogar bem e tentar "arrumar um jeito de ganhar".

Obviamente que o colega não sugeriu nada ilícito, mas o blogueiro aqui ficou imaginando, como o Bobby no seu Fantástico Mundo, o técnico do tricolor em uma espécie de videogame usando uma combinação de teclas, o velho "macete", para alterar o placar para 1 a 0 a favor do seu time. Sem jogar.

Porque para vencer tem que jogar. E quem joga bem normalmente está mais próximo da vitória. A menos que o adversário faça ainda melhor. O "jogar bonito" é outra discussão, mais subjetiva. O que é belo para um pode ser chato e enfadonho para outro. A Espanha campeão do mundo em 2010 é um bom exemplo dessa dicotomia.

O debate não é novo. Por aqui se intensificou em 1994 depois da conquista do título mundial que a seleção de 1982 não conseguiu. O trauma da derrota na Espanha criou uma falácia de que só havia dois caminhos: jogar bem e perder ou jogar pelo resultado e levar a taça para casa.

Como se o time de Telê Santana abrisse mão dos dois pontos à época – e não sofresse o terceiro gol de Paolo Rossi no Sarriá com todos os jogadores postados na defesa – ou a seleção de Parreira não tivesse sido superior e com mais posse de bola que todos os adversários na disputa nos Estados Unidos.

Agora a polêmica volta com a disputa entre Palmeiras e Flamengo pela liderança do Brasileiro. Nos últimos jogos, um discurso em comum: "o que importa é ganhar". Não por acaso, o desempenho caiu. Contra América e Santa Cruz, os dois piores times da competição, vitórias construídas sem brilho. Na última rodada, sofrimento diante de Cruzeiro e Fluminense. O alviverde deixou dois pontos pelo caminho.

Cuca é uma pessoa ansiosa e passa isso para seus times, que quando estão vencendo ficam mais à vontade e praticam um futebol mais fluido. Mas até construir a vantagem normalmente apelam para o "atalho" do abafa e das jogadas ensaiadas. Como para abreviar o sofrimento.

Legítimo, mas se demora a acontecer a tensão fica no ar. Contra o Cruzeiro de Mano Menezes na Fonte Luminosa o gol não saiu no primeiro tempo de domínio e a proposta de jogo degringolou na segunda etapa e Zé Roberto salvou o gol de Robinho.

Já o Fla de Zé Ricardo perdeu um pouco da paciência de quem prefere trocar passes e controlar a bola. Teve menos posse que o Fluminense em Volta Redonda porque tentou decidir mais rapidamente as jogadas. Venceu em duas falhas tricolores, mas podia ter cedido o empate se Sandro Meira Ricci tivesse validado o gol em impedimento de Henrique ou se Muralha não salvasse chance cristalina de Wellington Silva no final.

Porque jogar bem e jogar para vencer deveriam ser sinônimos. Mas o embate 1982 x 1994 não morre. Nem o título de 2002 conquistado com sete vitórias e um estilo competitivo com momentos de beleza foi capaz de arrefecer. Nem com o exemplo recente de Tite, que focou na melhora de desempenho da seleção e conseguiu as quatro vitórias nas Eliminatórias que passaram longe do time de Dunga, que priorizava resultado até em amistoso.

É claro que todo mundo deseja a vitória. Não fosse assim, o último confronto entre Pep Guardiola e José Mourinho não terminaria com o catalão, símbolo do jogo vistoso, enfiando cinco na última linha de defesa no Manchester City e o português, adepto do "ônibus" protegendo sua meta, buscando o empate com um United cheio de atacantes. Algo circunstancial dentro de linhas de trabalho e pensamentos antagônicos.

O Cruzeiro de 2003, de Vanderlei Luxemburgo e Alex foi o melhor time da era dos pontos corridos no país. Dos 100 pontos e dos 102 gols em 46 partidas. Mas na reta final conquistou algumas vitórias sofridas, arrancadas meio à forceps. Quando o adversário joga a vida, o time que se destaca está mais que estudado e é preciso marcar um gol para depois administrar os três pontos. Normal. Mas deve ser exceção, não regra. Até porque o risco é maior.

Entre Palmeiras e Flamengo, separados por apenas um ponto, quem voltar a olhar para o campo e buscar melhorar o próprio jogo terá mais chances de terminar no topo. Porque "arrumar um jeito de ganhar" é para os medíocres. Como o São Paulo de hoje, lutando para não cair. Como não podem ser os candidatos ao título mais importante do país cinco vezes campeão mundial.

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.