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André Rocha

Guardiola no purgatório, Mourinho no inferno. Como será o amanhã?

André Rocha

23/10/2016 14h47

É o preço da genialidade que costuma vir junto de uma personalidade geniosa. Pep Guardiola e José Mourinho mudaram a história do futebol, contribuíram diretamente para uma enorme evolução do jogo caminhando em direções opostas.

Mas o ser humano costuma ser resistente às mudanças. Ainda mais quando elas são impostas por quem está saturado de convicções e não consegue conceber o futebol de outra maneira.

Guardiola quer a bola, não admite entrar em campo sem a proposta de mandar no jogo, ser protagonista. Mesmo no início de trabalho. Ainda que sua equipe não esteja 100% preparada e entrosada para isso. Não se importa em correr riscos, adiantar as linhas e colocar seu goleiro para jogar com os pés. O objetivo: criar superioridade numérica onde está a pelota.

Só que o futebol é um jogo em que o objetivo maior, o gol, acontece muito mais raramente que em outros esportes. Por isso é uma disputa por espaços e qualquer erro é fatal. Em noventa minutos a chance de falhar é grande. Numa disputa equilibrada tudo fica ainda mais difícil.

Por isso o técnico catalão é tão obsessivo. Quer seus jogadores totalmente concentrados e preparados física e mentalmente. Foco absoluto. Por isso a decisão de afastar atletas que não estejam ou o treinador imagine que não sejam adaptáveis às suas idéias e aos seus métodos. Sejam ídolos ou não.

Tanta intensidade e uma visão tão particular do jogo não devem ser fáceis de administrar no dia a dia em um clube. Não por acaso por onde passou deixou títulos, mas também desafetos.

Na parelha Premier League, o ótimo início com seis vitórias consecutivas, dez na temporada, fez o time ser ainda mais estudado pelos rivais. Para piorar, Kevin De Bruyne, peça fundamental na execução do plano de jogo, se lesionou.

Ato contínuo, perdeu os 100% de aproveitamento nos insanos 3 a 3 com o Celtic pela Liga dos Campeões. Uma mostra de que pressão na frente e velocidade novamente poderiam complicar o time de Guardiola.

Bem mapeado pelo Tottenham de Mauricio Pochettino, especialmente na pressão sobre a saída de bola tão valorizada por Guardiola, a primeira derrota. Depois empates com Everton e Southampton em 1 a 1 e a goleada sofrida para o Barcelona de Messi. Um mês sem vitórias, mesmo com o retorno do talento belga.

É quando a tensão aumenta. Porque o ser humano aceita viver sob pressão total se o sacrifício der resultado. Sem vitórias vem a cobrança pesada, mesmo com a liderança mantida na EPL. Ainda mais sofrendo gols seguidos por erros na saída de bola que é uma espécie de cláusula pétrea, princípio básico de Guardiola.

Pior ainda é a situação de Mourinho. Último trabalho pífio pelo Chelsea e o retorno à Premier League no seu maior campeão. Ainda órfão de Alex Ferguson e traumatizado pela passagem de Louis Van Gaal, outro técnico de forte personalidade. Saiu pela porta dos fundos, apesar do título da Copa da Inglaterra.

O português chegou ao Manchester United com tratamento de estrela, recebeu as contratações milionárias de Pogba e Ibrahimovic e até começou bem, vencendo o Leicester City na Supercopa da Inglaterra e três vitórias na liga. Até enfrentar…Guardiola.

E aí o personagem Mourinho foi questionado pela postura excessivamente cautelosa no primeiro tempo do Old Trafford. Ainda que tenha terminado a partida com cinco atacantes tentando reverter os 2 a 1.

A partir daí, derrota para o Watford, nova vitória sobre o Leicester ( 4 a 1) e empates com Stoke City e Liverpool. Diante do rival histórico, o velho "ônibus" à frente da própria meta rendeu críticas.

Porque Mourinho desde 2010 posicionou-se como o "anti-Guardiola" e radicalizou qualquer proposta mais pragmática. Diante do Barcelona, colocou inteligência na retranca comandando Internazionale e Real Madrid. Obrigou craques a trabalhar sem a bola, armou linhas de cinco e até seis na defesa. Trouxe o handebol para o jogo.

Como deu certo em tantos duelos, assumiu o perfil com a paixão que lhe é característica. Só que fazer isso em clubes gigantes e marcas mundiais não é tão simples. Ainda mais contra equipes em tese do mesmo nível. Vieram os questionamentos. E os choques, até porque o português não é receptivo às interferências externas.

Mourinho descartou Schweinsteiger, não vem utilizando Rooney e Fellaini segue como titular por ser forte no jogo aéreo ofensivo e defensivo, apesar da pouca colaboração na construção das jogadas. Decisões personalíssimas que carregam a polêmica embutida.

No reencontro com Chelsea e Stamford Bridge, o gol de Pedro aos 32 segundos desmontou qualquer proposta defensiva do United. Mourinho teve que lidar com as provocações da torcida e com o time bem armado por Antonio Conte num 3-4-3 com Azpilicueta de zagueiro e Moses como ala pela direita.

Ensaiou uma reação na segunda etapa com Mata e Rojo. Mas o belo gol de Hazard pulverizou qualquer chance de recuperação. Até Kanté foi às redes em jogada antológica, o primeiro no novo clube. Os 4 a 0 que estacionam o United na sétima posição, a seis pontos do City, líder por um gol a mais no saldo que o emergente Arsenal.

O início de Mourinho em Manchester é pior que o de Van Gaal. Inferior também à terceira temporada no Real Madrid, no auge do desgaste com o elenco e até aos números vergonhosos da última temporada no Chelsea – não no Inglês, mas em todas as competições. Pior só no União Leiria, quando o "Special One" ainda era um mero iniciante.

A desvantagem na tabela da liga nacional é pequena e recuperável em apenas nove rodadas. A grande crítica é ao desempenho. O que o elenco pode entregar mas parece amarrado pelas idéias radicais de seu treinador.

É o efeito colateral ao pagar tanto por comandantes que não abrem mão de suas convicções e têm currículos recheados de conquistas para avalizar. Sem contar o poder midiático da dupla.

Guardiola quer a bola, Mourinho não abre mão da solidez defensiva e do minimalismo em busca dos três pontos. Idéias que revolucionaram o esporte. Só que o futebol atual bebe nas duas fontes e tenta combiná-las de acordo com o contexto do jogo. Assim jogam Barcelona, Real Madrid, Bayern de Munique, agora com Ancelotti, Borussia Dortmund, Tottenham, Liverpool, o próprio Chelsea, entre outros.

Algo para a dupla histórica refletir. E botar em prática o mais rápido possível. Ironia do destino: o próximo jogo de Guardiola e Mourinho é…City x United pela Copa da Liga Inglesa. O catalão no purgatório, o luso no inferno. Como será o amanhã?

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.