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André Rocha

A diferença entre jogar bem e jogar bonito

André Rocha

31/10/2016 12h53

antonio-conte-chelsea

Este que escreve sempre deu preferência ao bom futebol que a seu time de coração. A ponto de fazer algo que muitos condenariam eternamente: assistir a um clássico na torcida do rival e desejando a vitória deste por ter um time fantástico e muito superior ao que representava suas cores.

Mas também sempre soube respeitar e admirar quem tinha uma proposta de jogo mais pragmática, porém bem executada. Impossível esquecer a doce rotina no final de 1984: acompanhar o histórico Hellas Verona de Briegel, Pietro Fanna e Elkjaer, campeão italiano naquela temporada transmitida pela Rede Globo e depois ir ao Maracanã ver o Fluminense de Romerito, Branco, Ricardo Gomes, Deley e o "Casal 20" Washington & Assis. Campeão brasileiro e carioca naquele ano.

Tempos em que o futebol era a única preocupação e a paixão maior. O amor pelo esporte está intacto. E o respeito por quem joga bem.

Jogar bem não é necessariamente apresentar um futebol vistoso, ofensivo, com jogadas técnicas exuberantes. É ter uma proposta, ainda que reativa e baseada mais na solidez defensiva, e colocar em prática de modo que seu time sempre pareça mais próximo da vitória.

Ameaçando o adversário constantemente e correndo poucos riscos. Sem apelar para faltas sem a bola e um jogo aleatório demais, com seguidos cruzamentos quando o oponente está postado na defesa porque faltam ideias.

Na Europa hoje há dois exemplos, longe dos óbvios Barcelona, Real Madrid, Bayern de Munique e agora o Manchester City, por ter Pepe Guardiola no comando.

O Atlético de Madrid de Simeone vai aprimorando seu modelo de jogo. Mantém a solidez defensiva, a forte compactação dos setores no trabalho defensivo. Porém investe mais em qualidade na frente. Nos 4 a 2 sobre o Málaga, Griezmann e Gameiro na frente, Nico Gaitán e Carrasco nas pontas e ainda Saúl Ñiguez na linha do meio-campo.

Um pouco mais de posse e criatividade, ao menos diante de equipes de menor investimento. Antes o recurso único nos momentos difíceis era a bola alta para Godín. Uma ressalva ao enorme mérito de encarar os gigantes espanhois e continentais. Agora foi às redes 25 vezes em dez partidas no Espanhol, só atrás dos ataques BBC e MSN.

O outro é o Chelsea, em reconstrução com Antonio Conte. Fora das competições europeias, o técnico italiano tem mais tempo para implantar sua filosofia que se baseia em três defensores, mas não é tão reativa. Gosta da bola, quando possível.

Quatro vitórias seguidas que fizeram os Blues colarem nos líderes. Num 3-4-3 funcional e "mutante". Porque conta com Azpilicueta como um zagueiro pela direita que forma muitas vezes uma linha de quatro com David Luiz, Cahill e Alonso, que é mais lateral que ala.

Ao contrário de Moses, que tem como função abrir bem o jogo à direita para esgarçar a marcação adversária e abrir espaços para as diagonais de Pedro, que procura Diego Costa e Hazard, que é o articulador de fato da equipe que conta com Matic e Kanté na proteção.

Equipe de transição rápida, mas que valoriza a precisão nos passes. Bem ao estilo de Conte, que com a Itália deu espetáculo na última Eurocopa quando eliminou a então bicampeã Espanha e só parou nos pênaltis após disputa equilibrada com a Alemanha campeã mundial.

Nos 4 a 0 sobre o Manchester United, uma grande atuação dentro do seu plano. Jogou muito bem. Sem a posse do Barcelona de Guardiola nem a beleza estética dos contragolpes do Arsenal campeão inglês invicto em 2003/2004.

No Brasil há uma visão simplista de que se venceu é porque jogou bem. Um foco desmedido no resultado sem perceber que se a produção cai uma hora a derrota vem. E torna qualquer conquista esquecível a longo prazo. Só serve para calar o rival de qualquer provocação se encerra um período sem conquistas relevantes.

É pouco. Por isso a exigência de jogar bem. Por isso o imenso respeito às cores e às tradições do Palmeiras que não pode se contentar apenas com a taça. Até porque já venceu a Copa do Brasil entregando um futebol ruim. Todo o investimento e toda a paixão da torcida que lota o Allianz Parque não merecem só isso.

Talvez haja até um ou outro exagero neste blog, mas é por conta da noite não dormida depois dos 7 a 1 e a promessa de que, onde estivesse, seria uma trincheira de defesa do bom futebol. Não necessariamente belo, mas bem jogado.

Nunca mais o culto à mediocridade! Nunca mais "o importante são os três pontos"! Nunca mais o "quer espetáculo? Vá ao teatro!" Nunca mais as frases que levaram todos nós ao maior vexame da história do futebol brasileiro. Minha paixão desde a infância e que não morre.

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.