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André Rocha

Cinco na defesa pode ser bom. Bem pior é não querer jogar

André Rocha

05/12/2016 08h24

Atlético-MG 0x3 Corinthians. 1º de novembro de 2015. Vitória emblemática que praticamente confirmou o título e uma das atuações mais consistentes, especialmente no segundo tempo, do melhor campeão brasileiro desta década.

Repare na imagem abaixo. A equipe de Tite se posiciona atrás com os quatro defensores da última linha bem próximos e centralizados e os ponteiros Jadson e Malcom recuando e fechando os flancos praticamente como laterais. Neste recorte são seis homens alinhados guardando a meta de Cássio. Não é sinônimo de retranca ou antijogo. Apenas um comportamento sem a bola.

Flagrante do Corinthians de Tite se defendendo com seis homens na última linha diante do Atlético Mineiro no Independência: Fagner, Felipe, Gil e Guilherme Arana mais centralizados, os pontas Jadson e Malcom bloqueando os flancos como laterais (reprodução TV Globo).

Flagrante do Corinthians de Tite se defendendo com seis homens na última linha diante do Atlético Mineiro no Independência: Fagner, Felipe, Gil e Guilherme Arana mais centralizados, os pontas Jadson e Malcom bloqueando os flancos como laterais (reprodução TV Globo).

Nos 3 a 1 do Chelsea de virada sobre o City em Manchester houve um choque geral ao se deparar com as duas equipes atuando no 5-4-1 sem a bola. Principalmente o time de Pep Guardiola, o símbolo do futebol ofensivo e vistoso.

O grande paradoxo é que esta linha de cinco ou seis homens na defesa é uma mera consequência da revolução que o treinador catalão promoveu no esporte nestes últimos oito anos. Porque a essência do jogo posicional é fazer a saída de bola com qualidade para se instalar no campo de ataque.

Com o adversário acuado, trocar passes sempre buscando um homem livre, criando superioridade numérica em todas as fases de construção do jogo. Até encontrar uma brecha no último terço do campo e fazer a infiltração com assistência e movimentação ou no drible, na vitória pessoal.

Qual foi a resposta dos oponentes, primeiro com José Mourinho? Ok, eu não consigo bloquear o toque no meio pela excelência de Busquets, Xavi, Iniesta e Messi recuando como "falso nove". Então fique com a bola! Chegue a 80% de posse. Toque, toque, toque…Meu time vai concentrar seus esforços em evitar a profundidade. Quatro, até cinco homens negando espaços pelo centro, dois abertos atentos às ultrapassagens dos laterais ou dos pontas.

Com o tempo a ideia foi sendo burilada e surgiu a preocupação de também dificultar o início do processo. Coragem para adiantar linhas e pressionar a saída de bola para evitar o passe limpo e, caso a bola fosse roubada, surpreender uma defesa aberta.

Porque a saída "lavolpiana", popularizada pelo técnico argentino Ricardo La Volpe na seleção mexicana, é produtiva se bem executada. Uma bola perdida, com seus zagueiros bem abertos, um volante centralizado e os laterais espetados no campo de ataque ou posicionados por dentro como meias, tende a ser um desastre.

O que se viu no sábado no Etihad Stadium foi a exacerbação desta disputa de área a área. Pressionar nos primeiros vinte metros e fechar espaços nos últimos vinte. Por isso os times "mutantes", variando do 5-4-1 para o 3-4-3.

Um trio de atacantes para abafar os três defensores que fazem a saída de bola. Os alas saem para bloquear os laterais e os dois meio-campistas avançam para fechar o meio. Se o adversário consegue sair dessa pressão, a missão é dificultar, até mesmo com faltas, a transição rápida para que haja tempo do time se reorganizar em duas linhas, uma de cinco e uma de quatro, para guardar a própria área. Defende preparando o ataque e ataca pronto para defender.

Flagrante da linha de cinco defensores do Chelsea postada. O ala esquerdo Alonso fecha seu lado como lateral e Moses faz a diagonal de cobertura do outro lado, dando suporte a Azpilicueta, David Luiz e Cahill (reprodução ESPN Brasil).

Flagrante da linha de cinco defensores do Chelsea postada. O ala esquerdo Alonso fecha seu lado como lateral e Moses faz a diagonal de cobertura do outro lado, dando suporte a Azpilicueta, David Luiz e Cahill para negar espaços ao ataque do Manchester City (reprodução ESPN Brasil).

Mas sempre querendo jogo, sem especulação. Os Blues venceram porque estão mais habituados a este modelo e, principalmente, porque aproveitaram as oportunidades criadas. Mas podiam ter sido superados se Aguero e De Bruyne não tivessem perdido chances cristalinas. A disputa foi igual, mas Diego Costa, Willian e Hazard resolveram.

O Chelsea é lider da Premier League por sua versatilidade e capacidade de aproveitar o que tem de melhor. Azpilicueta é o zagueiro pela direita, mas se o time precisa ser ofensivo ele vira lateral, sua posição de origem, e adianta o ala Moses como ponta. O movimento libera Pedro ou Willian para sair do lado e circular, buscando as diagonais.

A utilização dos alas tem a sua lógica. Se a ideia é que um dos ponteiros seja um armador para desarticular a marcação e o outro seja praticamente um atacante se juntando ao centroavante, o ideal é que esses homens estejam mais liberados para circular, procurar o centro. Cabe aos alas ficarem abertos para espaçar a marcação e criar espaços.

O polêmico David Luiz rende porque o técnico italiano cobra posicionamento preciso e ele não sai como um tresloucado para caçar os atacantes na intermediária. E ainda aproveita o que tem de melhor: o passe longo. Conte não faz questão de ficar muito tempo com a bola entre as intermediárias. Prefere investir em lançamentos.

Não chutões. Algo treinado, pensado e aprimorado. Desde a Juventus com Bonucci e Pirlo, agora com David Luiz e Fábregas, que jogou no lugar de Matic e meteu uma bola de trinta metros para Diego Costa ganhar de Otamendi e empatar em Manchester. Um jogaço.

Porque a ideia dos cinco defensores é bem diferente da que vigorou no final dos anos 1980 e chegou ao fundo do poço na Copa de 1990 na Itália. A "inversão da pirâmide" que o jornalista inglês Jonathan Wilson tão bem explica em seu livro que agora recebe uma tradução para o português pelas mãos de André Kfouri para a Editora Grande Área.

Do 2-3-5 para o 5-3-2. Mas lá atrás privilegiando o antijogo. Inspirado nas vitórias da Itália de 1982, com Scirea de líbero e Gentile colado no craque adversário, e da Argentina em 1986, com Brown na sobra e Batista como o cão de guarda à frente da defesa, o campo virou uma grande batalha de perseguições individuais: um zagueiro na sobra, ala batendo com ala e muitas ligações diretas para que, enquanto a bola viajava, os times se reorganizassem minimamente depois de marcar correndo e não posicionado.

Se alguém fizesse um gol o jogo virava uma modorrenta sequência de passes entre os três zagueiros e bolas recuadas para os goleiros, que esperavam a chegada do atacante adversário e seguravam com as mãos – na época a regra permitia.

Uma época cinzenta que só via brilho com o Milan de Arrigo Sacchi. Marcando por zona, com setores próximos, fazendo o "pressing" e valorizando a técnica, especialmente da dupla holandesa Gullit-Van Basten no ataque. Uma das inspirações de Guardiola.

Hoje, com linhas tão compactas a diferença entre quatro ou cinco na defesa é nenhuma. Vale mais a proposta de jogo. Como dizer que a vitória do Chelsea foi "feia" e a do Brasil sobre a Argentina no Mineirão foi um "espetáculo" se as ideias foram bem parecidas? Reveja o segundo gol, de Neymar. Transição rápida e letal como as que o Chelsea fez. O City também, só não conseguiu colocar nas redes.

Bem pior é não querer jogar. É o pragmatismo focado apenas no resultado, que busca os três pontos sem grandes ideias além de fazer tudo para evitar o gol do rival e buscar o seu através de bolas paradas, jogadas aéreas. Uma vez conquistada a vantagem o jogo acaba porque não há confronto de ideias ou de propostas. Só há o placar final. Legítimo e eficiente, mas o que acrescenta?

Não foi o que vimos em Manchester nem em outras partidas com equipes atuando com cinco na defesa. Nem nos seis corintianos no Horto há pouco mais de um ano. Porque os times mais modernos são dinâmicos, adaptáveis. Inteligentes. Sem abrir mão da técnica, do jogar bem. A vitória é mera consequência.

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.