Os extremismos no Brasil do Fla-Flu quando o assunto é Guardiola
No país em que quase sempre se avalia unicamente o resultado final, onde o segundo colocado é o "primeiro dos últimos", fica bastante complicado elogiar algum profissional por ter colaborado com a evolução do futebol nos últimos anos. Ainda mais quando ele também conseguiu grandes resultados, o que "contamina" a análise.
Pep Guardiola já está na história. Não por ter reinventado o esporte, mas pela coragem de atualizar e combinar ideias de Cruyff, Van Gaal, Sacchi, Bielsa, La Volpe, Lillo e tantos outros logo em seu primeiro trabalho num grande clube. Com o sucesso imediato do Barcelona com modelo de jogo posicional, baseado na posse de bola e na marcação por pressão no campo de ataque, provocou os demais a encontrarem antídotos ou novas combinações que levaram o jogo a outro nível.
Mas por aqui a discussão costuma terminar em "ganhar ou perder". E a valorização do treinador catalão mexe com alguns preconceitos. O raciocínio básico: como no esporte dos craques, em que o técnico só precisa distribuir as camisas e não atrapalhar, o treinador pode ter tanta visibilidade? E logo vindo da Espanha, que até outro dia não tinha nenhum título relevante.
Para piorar, a lenda urbana que Pep roubou as ideias da essência do nosso jogo. Porque na cabeça de muita gente ninguém pode se propor a praticar um futebol de troca de passes e ofensivo sem copiar o brasileiro. A velha arrogância que tanto trava o nosso progresso.
A ponto de distorcerem uma declaração diplomática depois da surra sobre o Santos no Mundial de 2011 – um breve comentário sobre o Brasil a que seus pais e avós se referiam – e dizer que o Brasil é sua referência. Não é, nunca foi. Leia mais AQUI.
E aí quando Renato Gaúcho aparece dizendo que não precisa estudar e que treinar os times milionários da Europa é fácil há uma vibração incontida, inclusive de colegas jornalistas. Com todo respeito que todos merecem, é como se pensassem que eles também nada precisam aprender e podem seguir vendo e analisando o futebol com a lógica de 20 ou 30 anos atrás.
Não podem, ou ao menos não deveriam. E Guardiola é o "culpado". Por isso o êxtase coletivo nas redes sociais a cada derrota ou má fase dos times do treinador.
Em resposta, os admiradores dos conceitos do técnico, diante de tanta perseguição de quem normalmente não entende o mínimo da evolução do jogo, construíram uma espécie de trincheira de defesa incondicional. Guardiola não erra, não fracassa. Criam uma aura de infalibilidade e transferem a responsabilidade para time, clube, imprensa. Menos quem toma as decisões em relação ao que se faz dentro de campo.
Para este que escreve, Guardiola é genial, o melhor treinador do mundo desde sua primeira temporada e tem enorme mérito por permanecer inquieto, aprendendo, se adaptando. Mas ele também se equivoca.
No Bayern, fracassou ao não vencer a Champions em três temporadas. É importante lembrar o contexto de sua contratação pelo time bávaro, em janeiro de 2013: derrotas doídas no torneio continental, inclusive uma final em casa para o Chelsea e perda da hegemonia na Alemanha para o Borussia Dortmund de Jurgen Klopp.
Depois venceram tudo com Jupp Heynckes e o plano original, de mudar a ideia de futebol do clube para voltar a ser vencedor, teve que ser repensada. E aí vem outra crítica injusta: a de que é um "engenheiro de obra pronta".
Como se o Barcelona que recebeu de Rijkaard em 2008 fosse uma máquina. Como se ele não tivesse defenestrado Ronaldinho e Deco do clube para proteger Messi. Como se o argentino não tivesse evoluído brutalmente sob seu comando, assim como Xavi, Iniesta, Daniel Alves e outros. O mesmo no Bayern com Robben, Douglas Costa, Xabi Alonso, Lahm…
A meta em Munique, porém, era conquistar o continente. Chegou às semifinais nas três edições e não caiu para times ordinários: o Real do trio BBC, o Barça de Messi, Suárez e Neymar, o Atlético de Madrid de Simeone. Venceu e sobrou na Bundesliga, influenciou e foi afetado pelo jeito alemão de pensar futebol. Cresceu, amadureceu. Mas saiu sem cumprir integralmente o projeto.
Agora no Manchester City pena para ajustar suas ideias ao ritmo e à intensidade da Premier League. Testa, experimenta, acerta e erra. Como foi infeliz no primeiro tempo da vitória por 2 a 1 sobre o Arsenal no Etihad Stadium. Optou de início por abrir Sané pela direita, fazer David Silva circular a partir da esquerda e enfiar Sterling como o atacante mais avançado.
O velocista inglês perdeu gol feito que podia ter empatado logo depois do tento de Walcott que abriu o placar. Os citizens ocuparam o campo de ataque e tiveram mais posse de bola. Faltou efetividade na frente e mais volume de jogo.
Depois de 45 minutos praticamente perdidos em termos de produção ofensiva, as mudanças óbvias: Sterling foi enviado à ponta direita, Sané trocou de lado e o centro da articulação ficou para De Bruyne, David Silva e a aproximação de Yaya Touré. O mais lógico.
O meio ganhou qualidade e os ponteiros espaços para explorar as diagonais. Uma de Sané, outra de Sterling após passe primoroso de Kevin De Bruyne. Dois gols e a virada. Todos cresceram com a nova distribuição em campo, três pontos fundamentais para não permitir que o Chelsea dispare tanto na ponta da tabela.
Guardiola experimentou sem sucesso e teve o mérito de corrigir a tempo. Assim como reconsiderou a utilização de um Yaya Touré recondicionado fisicamente e disposto a mostrar que ainda pode ser útil. Errou, corrigiu a rota. Simples assim.
Nem "puro marketing", nem gênio da raça, uma santidade. Apenas um treinador. Humano, cheio de dúvidas como o próprio afirmou em entrevista recente. Que não tem seu valor condicionado apenas aos títulos.
Sem extremismos no Fla-Flu nosso de cada dia, até quando o assunto é o catalão Pep Guardiola.
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