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André Rocha

Messi e Cristiano Ronaldo: um deve um pouco ao outro o lugar na história

André Rocha

20/12/2016 10h58

Messi e CR7

Em 2013, o filme "Rush – No Limite da Emoção" relembrou a rivalidade de Niki Lauda e James Hunt na disputa do Mundial de Fórmula 1 de 1976, marcado pelo grave acidente que deformou o piloto austríaco com queimaduras.

Uma história romantizada, que carrega naturalmente nas tintas para se adaptar à narrativa do cinema. Lauda era o nerd arrogante e perfeccionista, Hunt o louco mergulhado no mito "sexo, drogas e velocidade". Como a história do automobilismo criou o mito Senna, o arquétipo do bom moço em contraste com Piquet, Alain Prost e depois Michael Schumacher, com personalidades mais controversas e competitivas.

Como se alguém pudesse ser uma coisa só, um personagem "flat", reto, sem desvios, dúvidas, contradições.

Tentam fazer o mesmo com a maior rivalidade entre dois craques na história do futebol. Cristiano Ronaldo, o vaidoso que exalta seus feitos, seus carros, suas modelos a tiracolo. Lionel Messi, o moço tímido e pacato, que quase não fala e não gosta de aparecer.

Como se o português não fosse um exemplo de profissionalismo e uma liderança positiva no Real Madrid e na seleção, além de protagonizar belas histórias de solidariedade e altruísmo, e o outrora discreto Messi não fosse capaz de aderir a um visual que misturava Neymar com Chuck Norris ou usar ternos "exóticos" nas premiações da FIFA ou criticar publicamente a desorganização da AFA.

A única verdade em todas essas rivalidades, tanto nas mais respeitosas quanto nas notoriamente agressivas, é o quanto o sucesso de um impacta no desempenho do outro.

Ou alguém duvida que a Bola de Ouro da "France Football" para Cristiano Ronaldo na mesma semana da conquista do título mundial de clubes com o Real Madrid com três gols do astro português não influiu na atuação antológica do camisa dez argentino do Barcelona nos 4 a 1 sobre o Espanyol, com direito a uma sequência mágica de dribles no segundo gol, marcado por Luís Suárez?

É assim desde 2008, quando Cristiano Ronaldo ganhou sua primeira Bola de Ouro ainda no Manchester United e Messi na sequência explodiu todo seu talento com a Era Guardiola no Barça. A ponto de fazer o português aceitar a proposta do Real Madrid para competir de mais perto, em mais competições e com toda a atenção do planeta.

Há oito anos eles alternam no posto de melhor da temporada. A ponto de atrair votos no piloto automático, até quando em uma temporada específica outros fossem superiores em desempenho e resultado – como Wesley Sneijder em 2010, por exemplo. Mas não há dúvidas de que são os melhores desta era e nunca houve uma disputa pelo olimpo tão marcante.

Nem com números tão absolutos. Goleadores máximos da história de seus clubes, quebram recordes seguidos e disputam gol a gol a artilharia do maior torneio de clubes do planeta, a Liga dos Campeões. Messi tem mais conquistas no Barcelona, mas agora Cristiano alcançou o feito que falta ao argentino: o título relevante pela seleção com a Eurocopa que Portugal venceu este ano.

Tudo para colocar ainda mais molho nesta disputa que provoca verdadeiras guerras nas redes sociais e muita discussão nas mesas de bar e nos programas de debate na mídia. Quem é melhor? Talvez Messi encante mais por ser uma espécie de mistura do melhor de Pelé e Maradona. A arte vertical, os dribles mágicos na direção do gol e o passe preciso e objetivo que coloca o companheiro na cara do gol.

Mas como questionar o melhor finalizador que o mundo já viu? Uma evolução de Romário que agora, atuando mais dentro da área adversária, aprimora as finalizações de todas as formas – pé direito, canhota, cabeça, chutes de média e longa distância, falta e pênalti. Incrível máquina de fazer gols que hoje se concentra em estar preparado física e mentalmente para decidir com o mínimo possível de toques.

Dois gênios que se alimentam da motivação de superar um ao outro. Eles se precisam. Difícil prever o que será de um quando o outro parar – o português é dois anos mais velho. Talvez enfim deem lugar a outro como protagonistas do futebol moderno. Por ora parece improvável, porque a distância é grande. Jogam em outra dimensão.

Desfrutemos, pois. Sem a necessidade humana de execrar um para exaltar o outro. Curtindo as qualidades e também os defeitos. Estimulando a competição sadia e a relação distante pelas personalidades distintas, mas cada vez mais cordial, ao menos em público. Como na foto que ilustra este post.

Elevaram a disputa a um nível inimaginável e, por isso, um deve um pouco ao outro o lugar na história do esporte. Como Lauda há 40 anos deve a Hunt o exemplo de obstinação ao voltar às pistas e competir logo após o acidente, mesmo com dores quase insuportáveis. Como Senna disse pouco antes de morrer que sentia falta do rival aposentado Prost e, de certa forma, fora tricampeão mundial por causa do francês.

Ser o melhor no que se faz deve vir de dentro. Mas quando lá fora existe uma referência para superar é difícil criar limites. Messi e Cristiano Ronaldo vão superando todos. Felizes somos nós que podemos acompanhar em tempo real uma das mais incríveis histórias do mais apaixonante dos esportes. Quem sabe nas telas dos cinemas quando bater a saudade da dupla nos campos?

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.