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André Rocha

Futebol não é só tática! Na alma, Sevilla encerra a invencibilidade do Real

André Rocha

15/01/2017 20h16

Zidane surpreendeu ao mandar a campo pela primeira vez o seu Real Madrid com três zagueiros. Ou uma linha de cinco atrás, tendência recente com o sucesso do Chelsea de Antonio Conte na Premier League.

A lógica é simples: se o adversário trabalha a bola para encontrar espaços, infiltrar nos últimos vinte metros e finalizar, por que não ter mais jogadores para evitar a jogada mais importante? A receita de Mourinho e tantos outros treinadores para parar Barcelona e as equipes de Guardiola ou qualquer time que queira a bola.

Como o Sevilla de Jorge Sampaoli, que é equipe de posse, linhas adiantadas e circulação de bola com tabelas e triangulações no ritmo do redivivo Nasri, que, junto com N'Zonzi, afundou Ganso no banco. Até encontrar as diagonais em velocidade de Ben Yedder, artilheiro da equipe, e Vitolo. Atacantes abertos que encontram parcerias nos flancos com os laterais Mariano e Escudero. Proposta ofensiva.

A resposta merengue foi Nacho entrando na zaga com Varane e Sergio Ramos. Carvajal e Marcelo eram alas no ataque e quase pontas quando o Real Madrid avançava a marcação e pressionava no campo de ataque. Sem a bola, formavam o cinturão de proteção da meta de Keylor Navas com o suporte de Casemiro, preciso nos desarmes.

O time visitante e líder do Espanhol não se incomodava em perder o meio-campo e deixar o mandante controlar a posse (56% no primeiro tempo). A ideia era evitar a ação ofensiva trabalhada que cria a oportunidade cristalina, o adversário na cara do gol.

Conseguiu na primeira etapa. O momento mais perigoso foi com N'Zonzi em cobrança de escanteio. Já o Real, nos contragolpes às costas de Mariano, teve duas espetadas de Cristiano Ronaldo e Benzema. Só faltou a conclusão precisa para coroar o jogo controlado.

A segunda etapa começou com intensidade máxima do time de Sampaoli, muita movimentação e uma bola roubada que virou contragolpe e Ben Yedder, pela primeira vez com espaços às costas de Nacho, parou em Navas.

Taticamente, porém, o Real seguia dono do plano mais bem executado. Logo ameaçou em dois contragolpes até o pênalti do goleiro Sergio Rico em Carvajal, após vacilo de Escudero. Confusão, catimba, provocação de Vitolo, mas nada impediu que Cristiano Ronaldo cobrasse com a precisão costumeira.

Zidane trocou o exausto Kroos por Kovacic. Poderia ter tirado Benzema e colocado Morata para ganhar fôlego nos contragolpes, mas o controle era do Real. Mesmo com Sampaoli arriscando tudo com Sarabia no lugar de Iborra, mas para abrir à direita e enviar Ben Yedder para se juntar no centro do ataque a Jovetic, que substituiu Franco Vázquez.

O Sevilla se mandou, correu riscos com os lentos zagueiros Pareja e Rami contra Cristiano Ronaldo. Mas futebol não é só tática ou estratégia. É também alma, fibra e atmosfera no estádio. E o Ramón Sánchez-Pijzuán ferveu no gol contra de Sergio Ramos, vaiado o jogo todo pelas provocações na Copa do Rei e ainda por conta da saída conturbada do clube. Na bola parada, quando o "abafa" era a única saída.

Com o Real tonto vendo o herói de tantas conquistas recentes com gols nos últimos minutos desta vez ser o vilão e acuado pelos gritos vindo das arquibancadas e pela entrega dos jogadores dentro, veio a virada no chute de Jovetic que Navas espalmou para dentro.

Sim, Sampaoli foi feliz ao colocar presença física na área adversária para ter mais chances de finalizar. Mas isso qualquer treinador faria. Fazer o óbvio às vezes é mérito também.

Zidane provavelmente será responsabilizado pela primeira derrota após 40 jogos. Talvez um técnico mais vivido fizesse o time parar o jogo, quem sabe com trocas no final para ganhar tempo. Porém na estratégia ele acertou mais que errou no duelo contra um dos melhores treinadores do planeta, que rapidamente já faz o Sevilla mudar de patamar no país e no continente.

Mas o futebol é espetacular por essas histórias errantes, sem roteiro definido. Instável, emocionante, imprevisível. Que deixa tudo em suspense, em aberto. Como ficou o Espanhol com o Sevilla voltando à vice-liderança e trazendo o Barça para perto do Real Madrid. Temos um campeonato.

(Estatísticas: Whoscored.com)

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.