Técnico que não defende é indefensável
O adversário do Vasco no Engenhão era o Macaé, que no primeiro turno não somou nenhum ponto e foi às redes apenas três vezes em cinco partidas. A bola ronda a área cruzmaltina até o centro da esquerda e o atacante Hudson, livre na pequena área, chegar atrasado.
Um lance corriqueiro em qualquer partida, independentemente do nível das equipes. A menos que o time de menor investimento recupere a bola sem que o oponente, em tese, mais poderoso consiga tocá-la, retrabalhe a jogada, volte ao lado esquerdo, saia o cruzamento e a conclusão sem marcação. Do mesmo Hudson.
O gol de empate do Macaé nos 2 a 2 com o Vasco é o exemplo mais cristalino das fragilidades defensivas das equipes comandadas por Cristóvão Borges. É também o mais alto grito de alerta para que isso seja corrigido. Mesmo que seja preciso recorrer ao método mais arcaico da marcação individual.
Antes o problema era de execução. Cristóvão quer sua defesa avançada, acompanhando o meio e o ataque numa marcação a partir do ataque. Depois de um período sem comandar equipes após a estreia na função pelo Vasco, o treinador chegou ao Bahia falando em novos métodos, novas ideias.
Mas tanto no tricolor baiano quanto em seus outros trabalhos – Fluminense, Flamengo, Atlético-PR, Corinthians e agora no retorno ao Vasco – a dificuldade maior era fazer seus jogadores entenderem a necessidade de pressão constante sobre o adversário com a bola para "quebrar" o passe e não surpreender a última linha de bloqueio.
Virou um problema crônico que mina seus trabalhos e a carreira estaciona sem conquistas ou uma campanha sólida, com exceção de 2011 com o Vasco. Acumula vexames e goleadas, a pior para o América de Natal em 2014 por 5 a 2 no Maracanã, decretando a eliminação da Copa do Brasil ainda na terceira fase.
Na estreia da Taça Rio no Engenhão, a impressão era de que os jogadores do Vasco não sabiam se deviam sair para o bote ou guardar o posicionamento. Na dúvida ficaram passivamente assistindo à troca de passes de uma equipe bem mais limitada.
O segundo gol, de Rafinha, parecia contragolpe de final dos antigos coletivos de 90 minutos, com jogadores já cansados e se poupando. Marquinho arrancou com toda liberdade até servir o companheiro à frente de Martín Silva.
O Macaé concluiu, no total, 13 vezes no jogo. Seis no alvo. Teve pelo menos mais três oportunidades claras. Com apenas 46% de posse. A menos que haja um sério problema na gestão de grupo e os atletas estejam dispersos ou inconformados, não se justifica um trabalho defensivo tão frouxo.
Triste para o Vasco, logo na estreia tão aguardada de Luis Fabiano. A equipe saiu na frente com belo gol de Nenê e depois foi atrás do empate muito mais na fibra que na organização e conseguiu com Rodrigo, no rebote da finalização do novo camisa nove.
Muito pouco. E não há prazer nenhum na crítica a Cristóvão, que é uma figura sempre educada, solícita e atenciosa. Mas é preciso definir um caminho.
As melhores equipes do mundo sabem alternar a marcação adiantada e no próprio campo de acordo com a necessidade e a qualidade do rival. É possível também se defender ficando com a bola ou até desprezando a posse, mas compactando muito bem os setores e jogando em transições ofensivas rápidas.
Como dito antes, se está difícil transmitir orientações complexas, por que não partir para o mais simples e básico? "Cada um pega o seu" e vejamos o que acontece. Depois tentar gradativamente inserir conceitos mais atuais. Só não pode seguir como está.
Por mais que a nossa cultura futebolística mais tradicional seja ofensiva, de jogo bonito, o futebol brasileiro sempre se valeu de consistência no trabalho sem a bola para se impor. Não por acaso aderimos à linha de quatro atrás em 1958 e na Copa de 1970 o escrete canarinho tenha inaugurado, na prática, os conceitos de execução do 4-5-1, deixando apenas Tostão no ataque da lendária equipe de Zagallo.
A história também mostra que é possível aprender e se reinventar. Telê Santana, acusado de expor demais a fantástica seleção de 1982, na Copa do Mundo seguinte, no México, apareceu com os volantes Elzo e Alemão. À frente da retaguarda que ganhou mais consistência com os laterais Josimar e Branco, mais precavidos no apoio que os talentosos Leandro e Junior quatro anos antes na Espanha.
No São Paulo bicampeão da Libertadores e intercontinental em 1992/93, comandou equipes que encantavam na frente, porém sempre tinham um Pintado ou Dinho para "limpar os trilhos" e liberar laterais e até um dos zagueiros. Mas apoiando de forma alternada.
No mesmo tricolor paulista, Rogério Ceni vai penando em seu primeiro trabalho com a defesa mais vazada do Campeonato Paulista, junto com a do Linense – inacreditáveis 17 gols sofridos em oito partidas. Mas parece ser muito mais uma questão de ajuste na marcação agressiva que o treinador novato prefere e também minimizar os erros individuais, inclusive dos goleiros Sidão e Denis. Por estar no início de sua trajetória no comando técnico, Ceni ganha o benefício da dúvida.
Com Cristóvão não é mais possível. Passou do tempo de corrigir a rota. Porque técnico que não defende é indefensável.
(Estatísticas: Footstats)
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