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André Rocha

Solta o Jadson, Carille! Corinthians cria pouco porque não mexe as peças

André Rocha

10/04/2017 09h02

Quando este blogueiro entrevistou Tite em 2015, logo após a conquista do título brasileiro, o treinador concordou com a tese de que sua grande evolução em termos ofensivos era que antes o seu time mexia nas peças apenas com a bola parada.

Ou seja, num lateral ou tiro de meta um jogador saía de seu posicionamento original e trocava com um colega. Como Danilo e Emerson Sheik na final da Libertadores, com o meia que atuava como uma espécie de "falso nove" se transferindo para o lado esquerdo e o atacante saindo da ponta e indo para o comando do ataque para fazer os dois gols decisivos sobre o Boca Juniors no Pacaembu.

Depois do ano sabático do técnico, a mobilidade dos jogadores passou a se dar com a bola em movimento. Deslocamentos na ação de ataque para criar espaços, sem respeitar tanto o sistema. Jadson saía da ponta direita e era visto do lado oposto, com Elias ou mesmo Vagner Love infiltrando no espaço deixado. Sempre alguém se apresentando para o passe curto ou a bola longa. Na perda, pressão para quebrar o passe e retomar ou se reorganizar no próprio campo.

Mesmo com a volta de Jadson, é o que vem faltando ao Corinthians de Fabio Carille em 2017. O ex-auxiliar de Tite, embora tenha trabalhado com o atual técnico da seleção brasileira em 2015, tem a visão anterior.

Seu time já teve Jadson no meio, Maycon na ponta esquerda, Romero na direita. Mas sempre no mesmo 4-1-4-1 com Jô na referência. Não "bagunça" as peças quando ataca porque quer seu time organizado na recomposição. Cada um no seu pedaço.

Por isso a dificuldade quando é preciso criar espaços diante de um sistema defensivo bem fechado. Não é só questão de talento, das peças tecnicamente inferiores às de dois anos atrás. O problema está na dinâmica. Não se mexe, cria pouco.

Porque o jogo é coletivo. Se o atleta se desloca e oferece opção, o passe do companheiro com a bola não precisa ser tão complexo. Se uma peça sai do seu "quadrado" e outra se projeta no espaço deixado quando a jogada acontece, as chances de surpreender o adversário aumentam exponencialmente.

Mas se Jadson só sai da direita para o meio quando a bola está parada e Romero vai para o seu lugar com Maycon ocupando o lado esquerdo, onde está a surpresa? A marcação adversária continuará distribuída esperando os quatro meias e mais o centroavante. Não gira, não quebra.

Quando roda funciona bem melhor. Como no primeiro gol sobre a Universidad de Chile, "La U", pela Copa Sul-Americana. Jô chegou um pouco para a esquerda, abriu o corredor para Guilherme Arana e estavam na área Romero, Jadson, Maycon e Rodriguinho, o autor do gol na sequência do lance após uma balbúrdia na frente do goleiro Johnny Herrera. Nada tão revolucionário, mas o suficiente para desestabilizar a retaguarda.

Jô sai da referência, abre espaço pela esquerda para o apoio de Arana e deixa a área para os quatro meias infiltrarem para desestabilizar a defesa da Universidad de Chile no gol de Rodriguinho na estreia da Copa Sul-Americana (reprodução Fox Sports).

No gol sobre o Botafogo, todos nas suas posições. Ou quase, já que Arana estava mais adiantado pela esquerda que Romero na saída para o contragolpe. Então foi necessária uma inversão de jogo rápida para Jadson à direita e o cruzamento para o desvio de Rodriguinho que tirou do alcance do goleiro Neneca. Aí, sim, vai precisar mais da técnica e do talento que hoje é mais escasso.

No gol contra o Botafogo de Ribeirão Preto, Jadson teve que ser preciso no centro para Rodriguinho desviar porque a única projeção no espaço vazio foi a do meia entrando na área adversária (reprodução Premiere).

Por isso fica um conselho a Fabio Carille: solte o Jadson! Deixe ele circular mais, sem tanta preocupação com a perda da bola. É o mais criativo do setor ofensivo e já mostrou que faz com perfeição a função de ponta articulador que entra nas costas dos volantes, cria superioridade numérica, fura as linhas de marcação. Se ele girar, os demais vão procurar os espaços naturalmente.

Com Fagner, Balbuena, Pablo e Arana cada vez mais entrosados na defesa, mais o suporte de Gabriel, não é preciso tanto rigor na organização da linha de quatro no meio. Com mais rotação não é obrigatório ter Elias, Renato Augusto, Love e Malcom para criar mais e, consequentemente, fazer mais gols.

Vale o risco para melhorar o desempenho e os números no ataque. O torcedor corintiano adora dizer que gosta de vencer com sofrimento, mas certamente se lembra com mais carinho das goleadas em 2015 do que da fileira de vitórias por 1 a 0 de 2011 a 2013. Como os sete triunfos pelo placar mínimo nas onze vezes em que o Corinthians saiu de campo com os três pontos em 2017.

É pouco, pode melhorar. Ainda que Carille não seja Tite, nem Rodriguinho um Renato Augusto.

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.