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André Rocha

Não há razão para crise no Palmeiras. Mas existe um dilema

André Rocha

29/05/2017 07h10

As derrotas para Chapecoense e São Paulo fora de casa, com a equipe bastante alterada pela prioridade natural dada à Libertadores, não servem sequer como sinal de alerta para o Palmeiras. São recuperáveis e até comuns em um campeonato por pontos corridos e todas as suas particularidades. É um reinício para Cuca.

O que precisa ser debatido internamente é que o cenário de 2016 não se repete nesta temporada, até pela conquista do título brasileiro. A equação técnico campeão + elenco reforçado não significa necessariamente uma fórmula de sucesso.

A começar pela dissonância entre a maneira de jogar de Felipe Melo, contratado para ser um líder e interlocutor do técnico, com a visão de futebol de Cuca. Algo bem mais complicado de administrar que uma discussão no rachão. O volante atuou na Europa por mais de uma década marcando por zona na maior parte do tempo. O treinador prefere os encaixes e perseguições individuais.

Não é simples pedir para alguém acostumado a ter a bola e o espaço como referências passar a correr atrás do jogador adversário. Por isso a escalação de Felipe na sobra da defesa em um sistema com três defensores na última linha contra o São Paulo no Morumbi. A adaptação, porém, é complicada. Requer tempo e, principalmente, capacidade de convencer que este é o melhor caminho.

Outra questão a ser administrada é o favoritismo. Uma coisa é ser campeão brasileiro sendo colocado como o contraponto ao Flamengo do "cheirinho" e ao Atlético-MG das estrelas no ataque, outra é entrar em campo sempre com a responsabilidade de ser o protagonista.

No ano passado, mesmo com Cuca bancando o título, a equipe não era o alvo. Seus melhores momentos da equipe, em especial no primeiro turno da principal competição nacional, foram explorando a velocidade de Roger Guedes e Gabriel Jesus surpreendendo os oponentes tanto quanto as jogadas ensaiadas. O time era vertical, definia rapidamente as ações de ataque.

Já em 2017 o elenco foi montado para propor o jogo, ideia de Eduardo Baptista que parecia ser consenso no clube por conta desta mudança de status. Com Borja e Guerra, campeões da Libertadores pelo Atlético Nacional dentro de uma proposta ofensiva de Reinaldo Rueda, herdeiro de Juan Carlos Osorio.

Cuca pensa futebol diferente. Gosta de seu time desarmando no campo de ataque e partindo com fúria para a área adversária. Aprecia um "abafa", o "Porco Doido". Também baseia o seu discurso motivacional no "nós contra eles", na superação para enfrentar as desconfianças. Mas agora o Palmeiras é a referência, o time a ser batido. Analisado, dissecado, mapeado.

Capaz de fazer Rogério Ceni, com seu estilo agressivo e de valorização da posse de bola, não se importar de ficar sem o controle da partida no campo de ataque e fazer o jogo de transições em velocidade para golpear o rival no Morumbi com Lucas Pratto e Luiz Araújo.

Há dois caminhos para Cuca: rever e adaptar seus conceitos às melhores peças disponíveis ou pensar, a curto prazo, numa formação titular com a maioria absoluta dos jogadores que trabalharam com ele no ano passado e já conhecem toda a dinâmica do seu estilo. Colocando as estrelas no banco. Toda escolha tem sua complexidade.

Não há razão para crise no Palmeiras. Mas está claro que existe um dilema criado pelo próprio sucesso.

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.