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André Rocha

Caiu o "sobrevivente" Dorival Júnior. Afinal, tem hora certa para terminar?

André Rocha

05/06/2017 07h02

Assistindo ao clássico paulista em Itaquera, em determinado momento, ainda com o jogo empatado sem gols, veio à mente a seguinte conclusão: "Dorival Júnior não consegue tirar mais nada desse Santos".

Impressionava como a proposta de jogo baseada em posse de bola tinha se tornado previsível, enfadonha. Sem Lucas Lima também perdia lucidez e rapidez de execução, mesmo considerando a queda de rendimento do meia. Algo precisava ser feito.

A troca no comando técnico foi a primeira opção no meu raciocínio solto, no livre pensar. Logo recriminado pela razão. Afinal, era o trabalho mais longo entre as equipes da Série A. Um "sobrevivente". E tudo que cobramos é tempo para o treinador implementar seu modelo de jogo e fazer sua equipe jogar "de memória".

Mas logo em seguida, já com a partida encerrada em dois a zero para o então líder Corinthians, que perderia novamente esta condição no saldo de gols para a impressionante Chapecoense que alcançou o mesmo placar no Mineirão sobre o mesmo Cruzeiro que a eliminara da Copa do Brasil na quinta-feira, veio a reflexão:

Afinal, qual é o momento de se dar por encerrado o ciclo de um treinador? Costumamos dizer que é, no mínimo, uma temporada. Dorival já estava chegando a dois anos. Qual era a margem de evolução? Apesar da campanha invicta na Libertadores, em um grupo fraquíssimo, parecia claro que a equipe não alcançava e dificilmente alcançaria um bom rendimento.

Também por causa do equívoco do comandante santista ao se deixar seduzir pela ideia da formação do time "cascudo" para o torneio continental. A contratação de Leandro Donizete sempre pareceu um ato contrário aos princípios de Dorival e até à história vitoriosa do Santos. Virando as costas para as divisões de base, ainda que a safra atual não seja das mais talentosas. Contratando um volante obsoleto, mas com liderança e "pegada".

Na realidade do futebol brasileiro, a queda no desempenho em 2017 só se sustentaria com um passado recente de conquistas relevantes. Não foi o caso. Apenas um estadual e a frustração em 2015 com a perda da vaga que parecia certa na Libertadores, via Copa do Brasil ou Brasileiro. Recuperada com a campanha sólida no ano seguinte e a segunda colocação. Impressionante pelas muitas perdas por lesões, negociações, convocações. Faltou, porém, a taça importante para respaldar a paciência.

Porque em qualquer ramo é preciso apresentar resultados que são consequência do bom desempenho. Ou ao menos um rendimento que sugira momentos melhores no futuro. Se não for assim, o que cobrar? Como avaliar? Onde estará o mérito?

É a pergunta que se faz ao observar o Arsenal mantendo Arsene Wenger por mais dois anos. Vai chegar a 23 no comando do time londrino. Mudou o estilo e a história do clube, merece todas as homenagens. Mas a realidade é que entrega menos desempenho e resultados a cada temporada. Cada vez mais irregular e sem conquistas relevantes além das copas nacionais.

A consequência é que os Gunners saíram da rota de grandes contratações, mesmo as promessas, do futebol mundial. Um Vinicius Júnior, por exemplo, não se empolgaria com uma proposta de Wenger. Porque ele tem 16 e há 13 o Arsenal não vence uma Premier League e desta vez nem a classificação para a Liga dos Campeões veio como consolo. E quando os concorrentes fraquejaram na temporada passada, quem aproveitou foi o Leicester City.

Ou seja, a insistência vem sendo nociva ao clube. Qual a margem de crescimento? Imaginar o Arsenal campeão com Wenger é tão improvável quando o Leicester ganhar com Claudio Ranieri. Só uma incrível conjunção dos astros. Muito pouco para a história do clube. Já passou da hora de trocar e o Arsenal parece perdido. Como quem empurra um casamento esfacelado por comodismo e pelo medo do desconhecido.

Por aqui exageram no imediatismo, nas contratações e demissões sem convicção. Mas às vezes funcionam. Como no Grêmio de Renato Gaúcho, que recebeu um time de Roger Machado com muitas virtudes e alguns problemas. O maior ídolo do clube chegou com seu carisma e inteligência para acertar o vestiário, ajustar o que estava errado e hoje o clube celebra o título da Copa do Brasil, a volta à Libertadores e o futebol mais interessante do país no último mês.  Conseguiria com a manutenção de Roger? Nunca saberemos.

O que a experiência de vida diz é que a mudança pode ser muito saudável. Para o casal que se permite tentar ser mais feliz com novos parceiros. Para um livro que necessita de um segundo olhar, como as editoras costumam fazer nas revisões de textos – porque às vezes os olhos estão "viciados" e deixam passar alguns erros. Natural, humano.

Dorival e Santos descruzam seus caminhos. O profissional não deve ficar muito tempo desempregado por sua notória competência. Triste por resultar em um cenário no qual apenas Flamengo e Atlético-GO tenham seus treinadores há mais de um ano. Talvez toda a cadeia produtiva do nosso futebol esteja acostumada com isso – dirigente, jogadores, imprensa e os próprios técnicos. Por isso o pensamento automático do blogueiro. É provável que estejamos todos errados.

Mas se entender com o tempo nunca é fácil. Sempre haverá o "se" em forma de incerteza. Porque a convicção que não vira teimosia é virtude rara, dos sábios e maduros. Quem sabe um dia chegaremos lá?

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.