Carvajal e Roger: porque o futebol é gigante, mas há coisas maiores na vida
Roger é o artilheiro do Botafogo no Brasileiro com 10 gols. Referência do ataque, liderança positiva, exemplo de superação. Carvajal é a válvula de escape pela direita do Real Madrid bicampeão europeu e da seleção espanhola tentando recuperar protagonismo no cenário mundial. Jogadores fundamentais, cada um em seu contexto. Talvez vivendo o ápice de suas carreiras.
O brasileiro foi diagnosticado com tumor renal, o espanhol com um vírus que afetou seu sistema cardíaco. Saem de cena para se cuidar e é bem provável que só voltem aos campos em 2018. Ausências que certamente serão sentidas por suas equipes. Talvez o Botafogo sofra para se manter no G-6 e o Real Madrid perca mais pontos e veja o Barcelona se distanciar na liderança do Espanhol para não mais perdê-la.
Ou quem sabe todos se agigantem, lutem e corram pelos companheiros afastados por força maior das batalhas nos campos e as metas coletivas sejam alcançadas, até superadas.
E daí? Os dois, em continentes distantes, são humanos, essencialmente. Sentem medo, frustração por deixar de fazer, ainda que temporariamente, o que mais amam. A insegurança natural da dúvida: será que volto? Como retornarei aos gramados? E se perder o status que tenho hoje e construí com sacrifício?
Por isso precisam de força, das melhores energias. Ainda que Roger vença o jogo todo dia com sua filha Giulia, 11 anos e deficiente visual. Dupla que emocionou o país pelo amor e por ver o lado bom das coisas. Atacante que pensou em abandonar a carreira e o fundo do poço fez nascer um profissional e um homem melhores. Na nossa inesgotável capacidade de nos reinventar.
Já a vitória de Carvajal é outra: no Real que sempre foi clube comprador e só agora, com Zidane, olha um pouco mais para suas divisões de base, o lateral amassou barro, penou com poucas oportunidades e acabou negociado com o Bayer Leverkusen em 2012 para um ano depois ser recontratado por quem o revelou, não aproveitou e se arrependeu. Certamente aprendeu com as idas e vindas.
Porque o futebol é gigante, mas há coisas maiores na vida. Ainda que sejamos tão pequenos tantas vezes. Nos sensibilizamos com a tragédia da Chapecoense que vai completar um ano, mas hoje o time está aí na roda viva do Brasileiro, ainda com risco de rebaixamento, e não dimensionamos mais a perda esportiva como antes. No aspecto humano, a guerra de familiares com a direção exigindo tratamento mais justo. Seguimos aos trancos e barrancos.
Todos os times brasileiros demonstraram nas redes sociais solidariedade a Roger. Mas por que tem que ser sempre na hora da dor, do sofrimento? Por que não somos mais sensíveis e menos pragmáticos e competitivos no cotidiano, ainda que o objetivo do jogo seja fundamentalmente vencer o adversário?
Vencer, não odiar. Só nesta hora o Flamengo estende a mão ao rival Botafogo depois de tantas provocações e mortes de torcedores? Só assim para muitos na Espanha deixarem o ressentimento histórico do Real Madrid e direcionarem um olhar piedoso para um de seus atletas? Só Só aprendemos apanhando e derramando lágrimas?
Só na dor extrema respeitamos minuto de silêncio, não brigamos em estádios, deixamos de lado os preconceitos, os tabus, as rivalidades que passam do ponto, ficamos menos intolerantes e violentos física e verbalmente?
Ou ainda, só nos sensibilizamos pelo atleta famoso, que está na mídia? E os jogadores subempregados ou desempregados no país e no planeta bola? Ou os anônimos sofrendo em hospitais públicos sucateados, talvez com as mesmas enfermidades desses dois atletas? Não merecem o mesmo olhar nosso? Não fazem jus a um texto como este?
Que Roger e Carvajal encontrem paz e força para superarem a adversidade. Que o futebol sirva para aumentar a corrente positiva por eles, seus familiares e amigos que estarão juntos na batalha. Que seus corpos, instrumentos de trabalho, voltem ativos e perfeitos. Que as mentes e os espíritos fiquem mais fortes.
Mas, principalmente, que todos reflitamos sobre a capacidade de dar o tamanho devido às coisas e pessoas sem precisar do sofrimento como choque de realidade. No fim das contas é o que mais precisamos. Para ontem.
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