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André Rocha

Hernanes, Bruno Henrique e Jô: destaques no Brasil, descartáveis na seleção

André Rocha

06/11/2017 05h22

Bruno Henrique chegou a 11 assistências com os dois passes para gols nos 3 a 1 sobre o Atlético Mineiro na Vila Belmiro. Um em cada tempo, um de cada lado do campo. É também o melhor driblador do Brasileiro. Jô agora é artilheiro do campeonato com 16 gols, igualando Henrique Dourado. Não perdeu uma no jogo aéreo contra os zagueiros palmeirenses no dérbi. Hernanes marcou seu nono gol em 16 partidas no triunfo são-paulino fora de casa sobre o Atlético-GO que praticamente garante o tricolor na primeira divisão e muda a equipe de patamar, sonhando até com vaga na Libertadores.

Destaques indiscutíveis que merecem elogios pelo desempenho e pela capacidade de desequilibrar. Mas que Tite pode tranquilamente descartar nas convocações da seleção brasileira.

O motivo é simples, embora magoe e ofenda os defensores do futebol jogado no país cinco vezes campeão do mundo: a nossa liga é fraca, medíocre. Nossas equipes são formadas por atletas medianos, jovens buscando espaço, refugos de experiências mal sucedidas em grandes centros, veteranos na reta final de carreira.

Bruno Henrique, com 26 anos, até teve alguns bons momentos do Wolfsburg, o mais notável na vitória por 2 a 0 sobre o Real Madrid nas quartas de final da Liga dos Campeões, dando um calor em Marcelo. Mais não fez e voltou ao Brasil. Hernanes estava na China, depois de sete anos no futebol italiano. Aos 32 anos, seu tempo já passou no futebol em alto nível. Suas Copas seriam as de 2010 ou 2014. Jô esteve no Mundial do Brasil, mas na reserva. Aos 30 anos, também passou pela China e agora é protagonista no Corinthians. Mas a curva também é descendente, não tem mais mercado na Europa.

Todos merecem respeito por suas trajetórias profissionais. Se Tite der oportunidades – como sinaliza com Hernanes, até pela carência de um articulador no meio-campo como reposição a Renato Augusto – podem até render. Não só pela motivação, mas por estar inserido em um grupo qualificado. O fato, porém, é que há opções mais confiáveis atuando em ligas mais competitivas.

Como seria Jorginho, destaque do Napoli, convocado pela seleção italiana. Joga à frente da defesa, mas tem o perfil de organizador. Meio-campista que pensa o jogo todo e não apenas na sua função em campo. Artigo raro, disputando a Série A do Calcio e Liga dos Campeões. Descartado sabe-se lá o porquê. Mas no setor da equipe de Maurizio Sarri ainda temos Allan, outro pedindo passagem.

No centro do ataque, Gabriel Jesus e Roberto Firmino, que disputam Premier League e Champions. Ponto, sem maiores discussões. Na ausência de um dos dois, pela carência no setor até seria possível pensar em um nome atuando no país. Nada mais que isso. Soa até como piada o menosprezo ao atacante do Liverpool em defesa de Jô, Fred e outros centroavantes mais "midiáticos".

Nas pontas, a concorrência para Bruno Henrique é cruel: Willian, Coutinho, Neymar, Douglas Costa. Mesmo Taison ou Bernard do Shakhtar Donetsk seria mais interessante. Tite ainda tem os jovens Malcom, do Bordeaux, e Richarlison, do Watford, como alternativas jogando em ligas mais competitivas.

Sim, a Ligue 1, hoje, está acima do Brasileirão. Só pela simples presença de uma seleção mundial como o PSG. Mesmo o Monaco desmanchado, mas já na segunda colocação e ainda forte, com remanescentes do semifinalista da última Liga dos Campeões. Até os times de nível intermediário jogam um futebol mais atual e conectado aos principais centros que o nosso.

Além do orgulho de bater no peito e repetir a falácia do "país do futebol", muitos ainda confundem o pertencimento, a identificação e o equilíbrio de forças com qualidade. Nosso jogo até evoluiu no trabalho defensivo. Mas ainda é espaçado, lento e fraco tecnicamente. A intensidade ainda fica abaixo.

É compreensível que a mídia incense os jogadores atuando nos clubes daqui. Afinal, a presença deles entre os convocados atrai a audiência nas datas FIFA. Ainda mais agora que o campeonato tem uma pausa, o que motiva ainda mais o torcedor a exigir a presença do melhor jogador do seu time do coração, já que não será desfalque como antes. De novo a questão da identidade: uma seleção com jogadores atuando na Europa, ainda que as emissoras de TV fechada e eventualmente a aberta transmitam as partidas, parece "estrangeira".

Não por acaso, os escretes que construíram o tricampeonato mundial, além da de 1982, habitam o imaginário popular até hoje e na época criaram uma comunhão com o povo. Todos estavam aqui. A da Copa da Espanha, então, com ídolos dos times mais populares do país, uniu ainda mais os torcedores. Outros tempos, outro contexto.

Hoje a lógica é clara, até óbvia: os países com mais capacidade financeira contratam os melhores jogadores e treinadores. Por consequência praticam futebol com mais qualidade. Em técnica e tática. Admitir isso não é ter complexo de vira-latas ou menos valia. Pelo contrário. Se temos brasileiros atuando nos principais campeonatos nacionais do planeta com desempenho satisfatório, estes devem ser os escolhidos por Tite. Para o bem da seleção.

A menos que surja um talento como Neymar ou Gabriel Jesus para assumir protagonismo ainda atuando aqui. Com projeção para se destacar na Espanha e na Inglaterra com rapidez. Hoje quem parece mais pronto para ser o prodígio a vestir a camisa verde e amarela e se afirmar, ainda com 21 anos e jogando no Grêmio, é Arthur.

Fora isso é aposta. Como os citados acima, os convocados Cássio, Rodrigo Caio e os Diegos, Souza e Ribas. Ou Luan, Geromel, Lucas Lima, Vanderlei, Dudu, Moisés, Gustavo Scarpa, Fagner, Thiago Neves, Fabio e outros.  Porque o protagonismo no Brasil não é credencial segura. Há algum tempo. Por mais que doa reconhecer isso.

(Estatisticas: Footstats)

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.