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André Rocha

Roger é aposta no Palmeiras. No Brasil todos são, até Guardiola seria

André Rocha

25/11/2017 10h12

O Palmeiras sondou Abel Braga, pensou em Jair Ventura como terceira opção. Mas fechou com Roger Machado. Três perfis completamente diferentes. O experiente, bom gestor de vestiário que acredita num time ofensivo mesmo correndo riscos; o jovem que fez bom trabalho num cenário de baixo investimento e montando uma equipe reativa que o clube paulista, em tese, não quer; o construtor de times antenado, mas que ainda não demonstrou ter atingido a maturidade ou não teve o tempo necessário para desenvolver um trabalho longo e consistente.

O presidente Mauricio Galiotte diz que não tem chance de errar em 2018, já que este ano trabalhou numa ideia de Palmeiras com Eduardo Baptista, inclusive em contratações, e já em maio trouxe o campeão brasileiro Cuca de volta com uma proposta de futebol totalmente diferente. Termina com o interino Alberto Valentim, que ainda precisa definir um caminha a seguir.

Mas é difícil acreditar em algum raciocínio além da escolha da "grife" ou do pensamento mágico de que se deu certo em um clube consequentemente será ainda mais bem sucedido em outro com maior capacidade de investimento. É assim que dirigente pensa futebol no Brasil. Exatamente porque a grande maioria não entende.

Por isso o absurdo de dispensar treinador por má campanha em estadual. Porque o resultado é o norte. Simples assim. Quer algo mais sem nexo do que esperar uma derrota para dispensar o profissional no qual não se confia mais?O futebol permite vencer trabalhando mal e perder mesmo num caminho promissor. O desempenho é possível controlar, o resultado não. Há o adversário, a arbitragem, o imponderável, a falha individual que compromete a boa atuação coletiva. O óbvio que parece esquecido.

Todo treinador é aposta no Brasil. Qualquer um. Até Guardiola seria. Porque quem assina o cheque não sabe exatamente o que quer. Ou melhor, sabe. Quer todos os títulos no final do ano. Legítimo. O problema é desconsiderar o caminho. Qual o estilo que pretendo? Os jogadores do elenco se encaixam melhor em qual filosofia? O meu clube tem uma identidade?

Quem pensou antes ou descobriu meio ao acaso tem conseguido transformar desempenho em resultado. O Corinthians campeão brasileiro mais uma vez com uma linha desde Mano Menezes em 2008 chegando ao auge com Tite, mesmo com hiatos nas passagens de Adilson Baptista, Cristóvão Borges e Oswaldo de Oliveira.

O Grêmio com uma proposta gestada no clube e desenvolvida por Roger Machado em 2015. No campo e na estrutura do pensar futebol, com o investimento na análise de desempenho. No ano seguinte, o desgaste na gestão de vestiário, um problema crônico da defesa nas jogadas aéreas com bola parada.

Chegou Renato Gaúcho, mais vivido e ídolo maior dos gremistas. Inteligente, manteve a ideia de futebol, ajustou, trouxe os jogadores para perto e está a um empate do título da Libertadores após a conquista da Copa do Brasil no ano passado. Jogando o melhor futebol do país. Um construiu, o outro fez o polimento e aparou as arestas. Méritos de ambos.

O Palmeiras precisa construir. Difícil fazer qualquer previsão porque o treinador foi contratado antes do fim da temporada exatamente para ajudar na montagem do elenco, contratações e dispensas. Quanto à ideia de modelo de jogo, o próprio Roger pode ter refletido, estudado e alterado um ou outro ponto. Mudar para aprimorar.

A incoerência é planejar a temporada e correr risco de demissão em dois meses. Porque o conselheiro quer dar pitaco, o empresário do jogador exige a titularidade, o atacante famoso contratado pela "oportunidade de mercado" não tem as características que combinam com as dos companheiros. Mas tem que jogar, senão vira crise.

E é neste momento que a imprensa merece um parágrafo, ou alguns, em especial. A histeria, o pensamento imediatista e, principalmente, a ignorância sobre os processos no futebol constroem uma massa crítica que destrói qualquer trabalho.

Porque crise dá audiência. Mudança de treinador também. Surgem as especulações, os lobbies, a busca do furo da contratação. A troca é mais notícia que a manutenção e o trabalho paciente, contínuo, de constante aprimoramento. O torcedor se interessa, liga a TV, o rádio, clica nas notícias na internet. Faz a roda da mídia girar. E dane-se se trava as do clube.

Há os decanos que defendem os técnicos amigos de longa data, que atendem o telefone diretamente sem precisar passar por assessoria de imprensa. Assim como existem os novatos radicais que menosprezam todos os veteranos e defendem o novo sem um critério além do conhecimento dos novos métodos de treinamento e das táticas e estratégias mais atuais, ainda que a aplicação na prática não seja das mais eficientes. O "raiz" e o "catedrático". O pensamento binário no país do Fla-Flu.

Então temos um ciclo: treinador chega com status de popstar, salvador e cria-se o clima de esperança. A estreia é cercada de enorme expectativa, ainda que com poucos dias de trabalho. Se apenas o impacto da mudança melhora o ambiente e surgem as primeiras vitórias já tem o "dedo" do novo comandante. Quando vem a oscilação natural imediatamente surge no noticiário a sequência macabra: "sinal amarelo ou de alerta", "balança", "prestigiado"…demitido.

Não há trabalho que se sustente na espetacularização e na pressa. É óbvio que nem todos têm garantia de qualidade a longo prazo. Ainda mais quando falta convicção desde a contratação. O ideal é avaliar dia a dia dentro de uma projeção de, no mínimo, 12 meses. Desempenho, convivência com os comandados, competência da comissão técnica na solução de problemas. Se algo vai muito mal e impede a evolução esperada, aí sim é momento de trocar.

O parâmetro não pode ser apenas o placar final das partidas. Não é justo porque não há como interferir diretamente. Nem o melhor do mundo. Aliás, é patético que no Brasil se coloque as dificuldades impostas por um sistema ineficiente como critério de avaliação: "quero ver o Guardiola aqui com orçamento limitado, jogo em cima de jogo, gramados ruins e pressão de torcida, imprensa e dirigente". Por isso ele não vem e talvez nunca virá. Porque o melhor quer as melhores condições. É assim no mundo todo, em qualquer profissão.

Mas por aqui pensam diferente. Ou não pensam, querem apenas vencer. Roger Machado é mais uma incógnita num cenário caótico. Boa sorte, porque vai precisar…

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.