Topo

André Rocha

A segunda revolução de Pep Guardiola

André Rocha

27/12/2017 19h58

Se o futebol evoluiu 25 anos desde 2008 nos aspectos táticos e no jogo coletivo deve muito a Pep Guardiola. Não que o catalão tenha criado algo absolutamente original – ele mesmo diz que é um mero "ladrão de ideias". Mas combinando conceitos construiu um modelo de jogo no Barcelona que virou do avesso o esporte bretão.

Não só por sua filosofia, mas pela exigência de uma resposta de outras equipes e treinadores. José Mourinho montou sua "linha de handebol" com a Internazionale e fez o jogo defensivo ganhar inteligência e sofisticação sem precedentes na negação de espaços. Estava criada a dicotomia do futebol mundial.

Com o tempo, o jogo mais complexo foi gerando outros conflitos. Times com posse e protagonistas sendo domados por fortes bloqueios e contragolpes letais. Mas também equipes reativas sofrendo quando precisavam criar espaços e jogar no campo de ataque. A evolução cobrando conjuntos inteligentes, capazes de alternar propostas e ações de acordo com necessidade, adversário, contexto.

É o futebol por demanda, tratado neste blog com o Real Madrid bicampeão da Liga dos Campeões comandado por Zinedine Zidane como o exemplo mais bem sucedido liderando um movimento.

Guardiola sofreu em sua primeira temporada na Inglaterra. Sem a reformulação que desejava no elenco envelhecido e vendo suas ideias sem encaixe na dinâmica do futebol inglês. Em muitos jogos foi uma equipe de posse estéril e muito exposta no bate e volta muitas vezes insano da Premier League. Foi o primeiro ano sem conquistas. Ainda assim, conseguiu cumprir a meta básica de colocar os citizens novamente na Liga dos Campeões.

Renovação do grupo de jogadores, especialmente nas laterais com Walker, Mendy e Danilo. Ederson para encarar a missão de ser o goleiro excelente com a bola nos pés que Bravo não foi. Mais saúde para resistir às adaptações dos princípios inegociáveis do comandante depois de um ano mais aprendendo do que tentando impor sua visão de futebol.

O resultado até aqui na temporada 2017/18 é a segunda revolução de Guardiola. Futebol por demanda na veia, porém um pouco mais propositivo que o Real Madrid. Quer a bola para comandar o jogo, mas com leitura partida a partida.

Guardiola é um treinador de ligas. Não por acaso vai encaminhando com 15 pontos de vantagem na liderança o sétimo título nacional em nove temporadas. Trabalho baseado no foco na evolução contínua do desempenho para conquistar os resultados. Sem relaxamento. Por isso as muitas conquistas com enorme antecipação e vantagem, especialmente na Alemanha. Nas competições por pontos corridos uma noite ruim ou infeliz é menos danosa do que numa Champions.

Com o triunfo por 1 a 0 sobre o Newcastle, o time azul de Manchester chega à 18ª vitória seguida, recorde absoluto na Inglaterra, ficando a uma da sequência de 19 do Bayern de Munique em 2013/14…comandado por Guardiola. Vitória fora de casa, vantagem mínima. Mas com posse de bola que ficou quase sempre acima de 80% e terminou com 78%.  Vinte e uma finalizações contra seis. Fruto da disparidade técnica e também da eficiência dos visitantes no trabalho de pressionar logo após a perda da bola.

Uma das virtudes do futebol total do City. Total não pelo significado original, da Holanda de 1974, pela constante troca de funções dos jogadores. Mas pela capacidade de atacar os adversários de todas as maneiras. Circulando a bola de forma mais cadenciada ou veloz. Passes de lado para controlar ou verticais para furar as linhas de marcação. Com toques rasteiros ou jogo aéreo, na bola parada ou não.

O City é o time com mais posse, com maior índice de acerto nos passes, mas também que mais finaliza e vence os duelos pelo alto. Absoluto.

Se o Tottenham adianta a marcação com encaixes e até perseguições individuais para complicar a saída de bola, Ederson capricha nos passes longos e cria superioridade numérica já no campo de ataque. Se o Newcastle recua e estaciona um ônibus à frente da própria área no primeiro tempo no Saint Jame's Park, Guardiola "aproveita" mais uma lesão de Kompany para mandar a campo Gabriel Jesus e recuar Fernandinho para ter mais um a qualificar o passe e manter o time com a bola. E atacando, finalizando, colocando três bolas nas traves do goleiro Elliot. Indo às redes na nona assistência de Kevin De Bruyne, destaque individual absoluto, para o 13º gol de Sterling.

Nas vitórias mais sofridas, como a virada fora de casa sobre o Huddersfiled por 2 a 1 ou na pressão do Newcastle na reta final, pragmatismo e concentração para buscar ou administrar o resultado. Com linhas recuadas e ligações diretas. Nenhum romantismo na conquista dos três pontos. A preferência pelo espetáculo, mas só quando é possível. A competição vem primeiro.

Posse, perde e pressiona, busca das entrelinhas e da superioridade numérica no setor em que está a bola. Guardiola não mudou a essência. Mas vai se transformando ao longo do tempo, das experiências. Aprendendo com vitórias e derrotas.

O treinador é exigente com si mesmo e o mundo segue essa cobrança, querendo vitórias, títulos e espetáculos. Principalmente que continue liderando as transformações no futebol. Com o City vai fazendo história e interferindo no jogo mais uma vez. Com fome, mas também inteligência. O melhor time da Europa e do planeta no presente, mas também sinalizando o futuro.

(Estatísticas: WhoScored)

 

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.