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André Rocha

Adriano Imperador e a síndrome do "ah, se ele quisesse..."

André Rocha

28/12/2017 15h22

O leitor deste blog nunca se deparou com uma linha sequer por aqui sobre Adriano Imperador. Simplesmente porque o espaço existe desde 2015 e o atacante não joga profissionalmente, com muito boa vontade, desde a passagem de quatro jogos e um gol pelo Atlético Paranaense em 2014 – ano passado atuou pelo Miami United por duas partidas e fez um gol, mas é difícil incluir seriamente no currículo.

A rigor, o último ato relevante de Adriano foi o gol pelo Corinthians sobre o Atlético Mineiro na virada por 2 a 1 que ajudou demais na conquista do Brasileiro em 2011. Portanto, tecnicamente é um ex-jogador. Como o blog não costuma caçar cliques através da espetacularização de uma história de vida recente que não pertence ao esporte,  não há razão para falar dele. Para o bem ou para o mal.

Mas ele voltou à pauta. A festa de Zico no Maracanã e a presença do "Didico", mesmo com atraso na chegada, voltou a despertar em muitos a esperança de vê-lo novamente em ação. Com 35 anos e sem jogar regularmente desde 2010. A fé embalada pela nostalgia de um jogo amistoso, com senhores se divertindo no campo, muitas vezes caminhando, numa brincadeira com um fim muito nobre, de solidariedade. Mas que não pode ser levada a sério pensando no mundo real e competitivo.

É claro que Adriano pode construir uma reviravolta épica, um último ato grandioso caso alguém queira pagar pra ver. Mas racionalmente é muito improvável.  Porque ele é mais um grande personagem cuja biografia merece ser transformada em livro e filme. Mas objetivamente não escapa da síndrome brasileira do "ah, se ele quisesse…"

Este que escreve cresceu ouvindo que Garrincha foi melhor que Pelé porque quando a seleção brasileira precisou em 1962 na ausência do camisa dez, o ponta das pernas tortas desequilibrou na conquista do bicampeonato no Chile. Mas uma breve pesquisa do jornalista avaliando feitos, conquistas, regularidade e até o confronto direto nos duelos entre Santos e Botafogo desconstrói o discurso. Porque pelos mais variados motivos Pelé quis mais que Garrincha.

Mas o Mané é mais fácil de ser idolatrado por ser o lado mais fraco na história. O que não exorcizou seus fantasmas, mas naquele breve despertar foi o heroi das massas, identificadas com a trajetória de mais perdas e tropeços que redenções. De fato, é uma história mais sedutora, com doses de drama e humor.

Não destroi, porém, a sensação de talento mal aproveitado, que com foco e profissionalismo poderia ter produzido muito mais. Guardando as devidas proporções e respeitando os contextos, o mesmo poderia ser dito sobre Ronaldinho Gaúcho, Renato Portaluppi, Edmundo, Romário, Sócrates e até Maradona. Todos com algo em comum: em um determinado momento da carreira resolveram levar o futebol a sério, entregando 100%, e naqueles espasmos, uns mais longos e outros nem tanto,  brilharam intensamente.

Por causa disso são colocados em pedestais quase intangíveis, como se caso eles levassem a carreira sempre a sério teriam aquele desempenho do auge até o fim. Sem oscilações. "Se ele quisesse…" ou "se comparar no talento é imbatível".

Só que talento sem realizações, sem a transpiração para ajudar a inspiração, é estéril. O que o craque inconstante poderia ter produzido só existe na cabeça de cada um. Vale mais a seriedade de Pelé, Zico, Messi, Cristiano Ronaldo, Kaká, Bebeto e outros exemplos de profissionais – também com cada um em seu patamar e em comparação com seus pares contemporâneos. Ainda que a história para contar não seja tão romântica. Afinal, enquanto os "malditos" viviam suas aventuras e vidas erráticas, os trabalhadores estavam treinando ou em repouso.

Adriano parece querer viver uma utopia: passar os dias com seus amigos nas favelas e praias do Rio de Janeiro e no fim de semana se materializar no Maracanã com a camisa do Flamengo fazendo gols e partindo para o abraço dos que o amam. Só que há um processo, como tudo na vida. Muito suor para banhar a magia.

Assim ele parece não querer, ou conseguir. Só resta mesmo a imaginação. "Se ele quisesse…"

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.