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André Rocha

Fernando Diniz e a República do feijão com arroz

André Rocha

07/01/2018 10h05

Foto: Divulgação/Atlético Paranaense

Fernando Diniz foi tema na semana que passou por deixar o Guarani, depois de iniciar um projeto de reformulação no departamento de futebol, e aceitar a proposta do Atlético Paranaense. Havia uma cláusula de liberação no contrato com o clube de Campinas caso recebesse uma proposta de um time da Série A. O que o blogueiro pode dizer é que se fosse o treinador não pediria a cláusula e se fosse dirigente do Bugre não aceitaria.

Mas fora a questão ética, a chegada de Diniz a um time da primeira divisão, com um título brasileiro em sua história, reabriu a discussão sobre as possibilidades do técnico de estilo personalíssimo que chamou atenção do país com o Audax vice-campeão paulista em 2016. Muito ceticismo e o velho temor de que não transforme sua visão de futebol em resultados.

Este que escreve teve contato direto com Diniz apenas uma vez, em um evento. Participamos da mesma dinâmica de grupo. Superficialmente pareceu um profissional com ideias claras e preocupação com todos os aspectos do esporte, inclusive a dimensão humana. Mas em suas entrevistas dá a impressão, que pode estar equivocada, de não ter os conceitos bem claros em termos de metodologia para colocá-los em prática. Sem contar o relacionamento um tanto tenso com seus comandados. Aspectos que podem melhorar com o tempo e a maturidade, obviamente.

O maior estigma que carrega, porém, é o da ousadia. De buscar o novo. Conviver com o risco. No futebol brasileiro, isto significa enfrentar uma resistência quase intransponível. Porque vivemos na República do feijão com arroz.

Nossa cultura no esporte sempre se baseou no talento e na simplicidade. Cada jogador em sua posição e bola para os craques decidirem. Goleiro defende com as mãos, zagueiros tiram a bola da área, laterais correm, volantes marcam, meias criam, pontas driblam e vão à linha de fundo e o centroavante faz o gol.

Até hoje há quem não entenda o ponta marcar lateral. Ora, foi o nosso futebol que criou essa necessidade! No dia que um lateral apoiou e, junto com o ponta, fez dois contra um adversário apenas, o ponteiro precisou recuar para ajudar. Questão matemática e lógica. Zagallo e Telê Santana foram os primeiros "falsos pontas" e o conceito ganhou o mundo com a Inglaterra em 1966 recuando Ball e Peters, um em cada flanco, para formar o típico 4-4-2.

Além do conservadorismo, o desprezo pelo novo vem do nosso resultadismo insano. Todo jogo é fundamental, decisivo e tem que ser vencido. Contra o pequeno no estadual não pode perder porque o rival vai disparar na liderança. Nos clássicos nem pensar. No Brasileiro de pontos corridos todo jogo é importante e nas competições de mata-mata o caráter eliminatório torna tudo ainda mais tenso.

Ai do goleiro que tentar sair jogando com os pés e errar, do zagueiro que tentar um passe mais complexo. Ai do treinador que mudar a função de um atleta e este não for bem, algo que pode acontecer na sua posição original por uma infinidade de motivos.

Nunca há espaço para experiências, testes, amadurecimento de uma maneira de jogar. Tem que vencer. E aí surge uma outra lógica simplista: se a equipe tem craques ou jogadores mais qualificados que os rivais joga no ataque. Senão fecha a casinha e ganha "na tática".

Tática que no Brasil ainda é sinônimo de "camisa de força". De um recurso para quem não tem talento. Voltemos a 2012. Nos confrontos entre Corinthians x Santos pela Libertadores como a mídia trabalhou os jogos? Era Neymar contra Tite. A estrela de um lado e o time organizado pelo treinador do outro. Como se um não tivesse qualidade e o outro só necessitasse de um lampejo do mais talentoso para vencer.

Brasileiro, em geral, acredita que só é preciso ter organização para defender. Na hora de atacar fica tudo por conta da intuição dos jogadores. No máximo uma ou duas jogadas ensaiadas, na maioria das vezes na bola parada. Por isso a dificuldade de infiltrar em sistemas defensivos que cada vez mais negam espaços.

Ainda assim a opção quase sempre é pelo simples. Repare nos elogios que são feitos aos auxiliares que viram interinos/efetivos ou do treinador, mesmo renomado, assim que assume um time: "não inventou como o antecessor" é quase invariável quando as vitórias acontecem – normalmente por uma mera questão motivacional, o tal "fato novo".

O treinador não conhece o elenco, não teve tempo para treinar. O que vai fazer? Só pode simplificar. Mas não pode ser assim sempre. O trabalho precisa evoluir, ganhar nuances, variações. O jogador tem que crescer junto com a equipe, ficar mais versátil. Progredir.

A maioria não quer. "Time que está ganhando não se mexe", "o torcedor tem que saber de memória a escalação" e outras máximas que não cabem mais no futebol em 2017. Mas há uma enorme negação ao novo. Desde as mudanças nas regras até a maneira de se jogar.

Por isso tantos torcem o nariz para Guardiola. Até porque "o que um espanhol tem a ensinar ao futebol cinco vezes campeão do mundo?" Se manter no topo sem aprender, reciclar e atualizar é utopia e o Brasil vem pagando caro por esta visão curta, obtusa.

Fernando Diniz vai para o olho do furacão (sem trocadilho). Já será visto com má vontade por muitos pela maneira como chegou ao Atlético. Mais ainda por tentar quebrar paradigmas. A cada erro na saída de bola, a cada gol sofrido no contragolpe por adiantar seu time e valorizar a posse de bola terá que encarar o sorriso cínico e o deboche de quem quer as coisas sempre nos mesmos lugares.

O futebol é o esporte mais apaixonante do planeta por ser simples e poder ser praticado por qualquer um, sem exigência de peso, altura, impulsão…Mas profissionalismo não é pelada. Tem que avançar. A visão conservadora é pouco inteligente e, na prática, funciona como uma bigorna amarrada às pernas. Tudo que o país que já foi referência e parou no tempo não precisa.

Já passou da hora de temperar melhor esse feijão com arroz. O problema é convencer os que acham que vão "gourmetizar" o nosso jogo sem entender que a evolução é irreversível. Quem estacionar será atropelado. Simples assim.

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.