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André Rocha

Vá se preparando! Vem aí o Brasil de Tite com jogo de posição e no 2-3-5

André Rocha

26/02/2018 00h34

Foto: EPA

Tite concedeu as últimas entrevistas exclusivas antes da convocação para os amistosos contra Rússia e Alemanha em março. Depois vai se concentrar no trabalho e só ouviremos o treinador em coletivas até a Copa.

Em todas foi possível pescar algo das ideias do comandante da seleção. Está mais que clara sua obsessão por furar linhas de cinco depois de bater no muro da Inglaterra em Wembley. Este blog se dá o direito de recordar que foi o primeiro espaço a alertar para a dificuldade que seria enfrentar as retrancas "handebol"  – leia ou lembre AQUI.

A boa notícia é que Tite já tem um norte a seguir: o jogo de posição. Ou localização. Um conceito complexo de futebol que tem origem na escola holandesa e Pep Guardiola virou o grande expoente e disseminador atualizando o que lhe foi ensinado por Johan Cruyff quando foi seu técnico no Barcelona nas décadas de 1980/90.

É complexo, mas tem lógica. Desde que passou a existir o time grande e o pequeno no futebol surgiu o duelo ataque x defesa. A equipe com mais recursos e/ou tradição é obrigada a ocupar o campo adversário porque o menor, por opção ou instinto, vai se retrancar concentrando jogadores para proteger a própria meta.

O jogo de posição procura dar inteligência e ordem na hora de atacar. O que você precisa para enfrentar uma retranca?

Primeiro uma saída de bola com qualidade para se instalar no campo de ataque sem correr o risco de um erro de passe pegar o time saindo e, consequentemente, desarrumado e exposto. Para isso, o goleiro com técnica de passador é fundamental para auxiliar e ser um homem a mais na construção. Tite tem Alisson e Ederson, excepcionais.

Uma vez no campo adversário, qual a necessidade? Jogadores próximos, criar superioridade numérica no setor em que está a bola, iniciar a jogada de um lado e terminar do outro. Tudo para iludir um time com nove ou dez homens de linha em cerca de cinquenta metros.

O que é a amplitude? Ter jogadores bem abertos para que o oponente não fique confortável bloqueando a zona mais perigosa que é a central. Alargar o campo também abre mais brechas para infiltrar.

Aí entra a profundidade, que não é só chegar à linha de fundo pelos flancos. Mais importante é entrar no espaço às costas da defesa para finalizar. Pelo meio ou através das diagonais. Sem isso só restariam os chutes de média e longa distância, outra arma poderosa contra ferrolhos.

Para criar, o jogo entrelinhas. Nada mais do que os jogadores procurarem os espaços entre os setores do adversário para receber a bola com liberdade, sem pressão. Especialmente os meio-campistas mais criativos para encontrar liberdade e dar o passe qualificado para a assistência ou a finalização. Aquilo que Messi faz como ninguém e Neymar vem desenvolvendo no PSG.

E como se defender? Bem, se o time está com praticamente todos os jogadores no outro lado, bem longe da própria meta, você tem que matar a origem do contragolpe. Aí entra o "perde e pressiona" que começa com o jogador que perdeu a bola ou quem estiver mais próximo dela. Abafar para não ser surpreendido.

Se o time toca, roda a bola e pressiona para recuperá-la rapidamente, a tendência é ter mais posse que o adversário. Ou seja, é uma consequência natural e não um fim em si mesma. Por isso Guardiola disse detestar o "tiki-taka". Porque no jogo de posição, como vimos, tudo tem um porquê.

Dito tudo isso, não deixa de ser irônico que tantos no Brasil acreditem que o treinador catalão copia o futebol brasileiro. Aquele que sempre abriu retrancas no drible, no improviso. Tudo que Guardiola não quer. Ou apenas no lugar certo.

A sofisticação no ato de atacar gerou como resposta a inteligência na hora de defender. José Mourinho tirou o estigma da vergonha da retranca. Para parar o Barça histórico, linhas praticamente chapadas com no mínimo oito jogadores bloqueando os espaços certos. Se o objetivo final do jogo de posição é infiltrar na área, nada mais lógico que distribuir jogadores na região mais perigosa para evitar. Por isso a linha de cinco.

Que pode virar até de sete quando essa linha fica mais estreita, com jogadores mais próximos, e os dois meias ou ponteiros voltam pelos lados como laterais. É a hora em que vira linha de handebol.

O Brasil voltou a figurar na lista de favoritos com a recuperação comandada por Tite. E exatamente por esse favoritismo que o treinador brasileiro precisou estudar e introduzir conceitos antes pouco explorados. Não é por acaso que antes Carlo Ancelotti fosse sua referência e hoje seja Guardiola e o Manchester City.

Está claro que o time base terá que ser alterado com essa mudança de paradigma. Daniel Alves e Marcelo são laterais construtores, palavras de Tite. Ou seja, organizam mais e tendem a procurar o centro, não atacam tão abertos. Paulinho infiltra por dentro. Philippe Coutinho sai da direita para o meio. Neymar pela esquerda também corta para o pé direito. Gabriel Jesus é atacante de infiltrar nos espaços às costas da defesa. Que espaço numa linha de cinco?

Foi o problema contra a Inglaterra. O antídoto, ao menos na primeira fase contra Suíça, Costa Rica e Sérvia? Um sistema ultraofensivo que remete aos primórdios do futebol: o 2-3-5. Ou "pirâmide". A antítese da linha de cinco atrás. Ou melhor, a inversão. Cinco no ataque. Na prática, é o adiantar e reorganizar as linhas do 4-1-4-1/4-3-3. Guardiola aplicou em todas as suas equipes sempre que enfrentou defesas mais fechadas.

Funciona assim: os dois zagueiros ocupam a linha média. Mais à frente, laterais atacando mais por dentro, como meio-campistas. No Bayern de Munique, Lahm e Alaba. Tite terá os dois melhores do mundo: Daniel Alves e Marcelo. Criando e também sendo os primeiros a ajudar os zagueiros no caso da surpresa de um contra-ataque.

Fazendo companhia a um volante, ou médio, com papel fundamental: é o homem da distribuição das jogadas, da inversão de lado, do desafogo, da opção de volta da bola para concatenar outro ataque. O titular é Casemiro, mas pode vir a ser Fernandinho, mais habituado a executar o jogo de posição como primeiro articulador.

Na frente, cinco jogadores. Que não funcionam em linha, é claro. Dois ponteiros para dar a amplitude citada acima, já que os laterais atacarão por dentro. Na seleção pode ser um pouco diferente: pela direita, Willian, que dentro desta ideia parece cada vez mais titular, bem aberto e Daniel Alves por dentro. Do lado oposto, Marcelo pode aparecer pelo flanco porque será um desperdício Neymar ficar isolado como um ponta para participar menos do jogo e dar o último passe. Precisa ter liberdade.

Porque a ideia central desta proposta é a bola chegar ao jogador posicionado e não o contrário. Ainda que haja movimentos de ida e volta, como os meias por dentro. Philippe Coutinho parece certo como um desses homens buscando espaços entre as linhas. Aberto como ponta, sem procurar o centro, vai ficar ainda mais deslocado, desconfortável. Deve ficar com a vaga de Renato Augusto, que perdeu espaço e confiança de Tite. O outro seria Paulinho, mas a dificuldade para participar do controle do jogo com a bola que mostra no Barcelona tende a dificultar a manutenção da titularidade. A menos que Tite sacrifique a criatividade em nome da força e do timing para aparecer na frente.

Por isso a busca do "ritmista". O outro meia que fará a bola chegar na frente com qualidade. Acelerando e desacelerando, ditando o ritmo. Se não tem alguém com as características de David Silva em alto nível, o treinador procura esse jogador em Diego, Lucas Lima, Fred (Shakhtar Donetsk) ou Jadson. Também pode ser Arthur do Grêmio. Por erros na nossa formação de meio-campistas este deve ser o nosso grande "gargalo" na Copa do Mundo.

No centro do ataque, Gabriel Jesus como jogador do último toque como funciona no City, e a adaptação ao estilo é uma vantagem, ou Firmino abrindo espaços, recuando para tabelar com os meio-campistas e permitindo as infiltrações em diagonal dos ponteiros. Ou mesmo os dois numa proposta ainda mais ousada para ter dois finalizadores.

Uma das formações possíveis no 2-3-5 para colocar em prática o jogo de posição: Willian e Neymar nas pontas para dar amplitude, mas com o camisa dez ganhando liberdade para circular e Marcelo atacando pelo flanco esquerdo. Fernandinho seria o titular como o volante por dominar os conceitos no Manchester City de Guardiola, grande referência de Tite na montagem da seleção para furar linha de cinco na defesa (Tactical Pad).

Sim, parece tarde para tamanha revolução. Muitos conceitos para poucos jogos e treinamentos. Mas é isto ou bater no muro como em Wembley. A boa notícia é que boa parte dos jogadores já praticou o jogo de posição nos seus clubes em algum momento. A questão é fazer juntos.

Arriscado demais? Tudo pode ruir numa saída rápida de contra-ataque? Claro, mas o Brasil sempre correu este risco em Copas. Quem se abre contra a camisa cinco vezes campeã mundial? A Holanda, que não estará na Rússia, a Argentina pela rivalidade e, talvez, Espanha e França. A grande maioria espera para surpreender. Então nenhum país precisa mais dominar o jogo de posição que o nosso.

Tite sabe disso e deve estar sendo duro se desapegar de certas convicções. Mas segue debruçado sobre os conceitos, os mais avançados na prática do esporte na atualidade, que já vêm sendo abordados nas entrevistas do técnico – e já há quem reclame dele estar "abrindo o jogo", como se as outras seleções, ao menos as grandes, não tivessem equipes de análise de desempenho com softwares avançados para observar isso no campo, onde mais importa.

Até o início do Mundial serão transferidos para os debates sobre futebol na TV, no rádio, na internet. Já é possível vislumbrar, sem exageros, o maior embate ideológico da história do nosso jornalismo esportivo.

De um lado os que estão conectados ao futebol atual jogado nos principais centros do mundo, com seus excessos e preciosismos na maneira de comunicar ou não, e os que renegam tudo por saudosismo, pensamento conservador, preguiça ou seja lá o que for e menosprezam reduzindo tudo a modismos, neologismos, invenções, etc.

No final, como tudo no futebol brasileiro, o resultado é que vai falar mais alto. Se vier o hexa será a chance do país dar um salto conceitual com a valorização do estudo e da evolução. Se perder, e como perder, virá o discurso de sempre que ajuda a travar o desenvolvimento do esporte por aqui.

Portanto, vá se preparando! O Brasil de Tite, ainda que mais por necessidade que convicção, vai sacudir e virar do avesso as estruturas do nosso jogo.

 

 

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.