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André Rocha

Paes, Ismaily, André Gomes. As várias faces da nossa crueldade

André Rocha

21/03/2018 00h35

O goleiro Paes do São Caetano falhou no gol de Trellez e foi infeliz ao colocar nas redes a cabeçada de Diego Souza que tocou na trave direita. Os gols da classificação do São Paulo para as semifinais do Paulista. Errou, sim. Mas as lágrimas depois do jogo no Morumbi são  de quem sabe que comprometeu o trabalho de toda a equipe e também por saber que ficou marcado.

Mesmo em um time de menor investimento, será tema de memes. Talvez até debochando de suas lágrimas. O triunfo são-paulino será relativizado pelo que fez, ou deixou de fazer. Já ecoa o trocadilho "Goleiro Paes foi uma mãe para o São Paulo".

Ismaily do Shakhtar Donetsk foi convocado por Tite para a vaga de Alex Sandro, que substituiria Filipe Luís. Ou seja, foi a quarta opção para a lateral esquerda. Dificilmente irá ao Mundial da Rússia. Mas só porque atua na Ucrânia e não fez história em um grande clube brasileiro os protestos vêm de todos os lados.

Um jogador em bom momento, de uma equipe que se classificou para as oitavas de final da Liga dos Campeões eliminando na fase de grupos o Napoli que disputa o título italiano com a Juventus. Jogos transmitidos ao vivo para o Brasil. Ismaily foi citado por Tite há dez dias. Se ninguém se informou sobre o lateral, o problema não é dele. Uma convocação circunstancial, de emergência, guiada pelo contexto. Provavelmente não vai jogar os amistosos, nem será convocado até a Copa. Nenhum motivo para alarde. Muito menos para tratá-lo como um Zé Ninguém.

André Gomes confessou à revista "Panenka" que sofre pela pressão que coloca sobre si mesmo por não render no Barcelona. A ponto de sentir vergonha de sair de casa. Não importa se o seu estilo não tem muita relação com a escola do clube, nem é um "transgressor" como Paulinho, mais intenso e infiltrador. Não interessa se o erro foi de quem contratou.

É o jogador que sofre, entra em depressão. É ele também o contestado quando está em campo, por ser uma espécie de corpo estranho. Ninguém quer saber. Porque se o sonho da maioria dos jogadores do planeta é estar nos gigantes da Espanha e jogar com Messi algo para contar para os netos é obrigação render em alto nível, não importa como.

Esquecemos que aqueles que julgamos por noventa minutos, ou pelas nossas convicções, são gente. Com sonhos e frustrações, vitórias e derrotas muito além do campo. Não precisam que sejamos impiedosos, implacáveis com os erros alheios como não agimos conosco ou com aqueles que defendemos. A maior cobrança é de quem avalia o próprio desempenho.

A crítica aos que não rendem não pode ser destruidora, definitiva. O futebol é complexo e caótico demais para este nível de exigência. Com o goleiro que falha, o meia que não encaixa, o lateral que "ninguém conhece". Até porque não há outro esporte com tantas histórias de redenção, subvertendo a lógica.

Mas temos o péssimo hábito de ver o lado negativo de tudo. O erro salta aos nossos olhos. Diminuir alguém reduz a própria dor, esconde os fantasmas. São as várias faces da nossa crueldade. Que aprendamos a lutar contra este vício. Em nome do respeito.

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.