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André Rocha

A noite simbólica dos fracassos de Guardiola e Messi na Champions

André Rocha

10/04/2018 18h50

O Barcelona e o Manchester City serão campeões na Espanha e na Inglaterra. Por isso seria exagero falar em "morte" da escola que valoriza a posse de bola e jogadores mais ágeis, técnicos e de menos imposição física. Ainda que Pep Guardiola e Ernesto Valverde venham buscando adaptar e adicionar intensidade e pragmatismo em suas propostas de jogo.

Mas na Liga dos Campeões as eliminações para Roma e Liverpool são duras e simbólicas demais para os dois. Principalmente pelos contextos e pelo que fizeram os vencedores.

Jogos eliminatórios são naturalmente tensos e exigem força mental, concentração e precisão. Principalmente porque quando os nervos estão à flor da pele, quanto mais naturalidade e "jogar de memória" melhor. Mas ligado, firme. Não é por acaso que o Real Madrid vem se impondo nos últimos anos no torneio. O time merengue se adapta a qualquer cenário. Com o feeling de Ancelotti e agora Zidane.

Guardiola pecou por novamente "ousar" na formação do City. Um 3-1-4-2 com Walker e Laporte como zagueiros-laterais, Fernandinho alternando como zagueiro e volante, De Bruyne mais recuado adiantando David Silva, Bernardo Silva pela direita e Sterling mais próximo de Gabriel Jesus. Até surpreendeu o Liverpool no primeiro tempo pela pressão logo após a perda da bola e a capacidade de ocupar o campo de ataque com oito ou nove homens.

Mas de novo falhou ao não transformar 66% de posse e 13 finalizações em um placar maior que o 1 a 0 no gol de Gabriel Jesus logo aos dois minutos. Arbitragem à parte no polêmico gol anulado de Sané que custou a expulsão do treinador catalão pelo "piti" na saída para o intervalo.

A pausa fez Jurgen Klopp acalmar e reagrupar seu time. Com Mané pela direita ajudando Alexander-Arnold para fechar as incursões de Sané, Salah no centro e Firmino à esquerda, além de serenidade para conter a pressão e ficar um pouco mais com a bola. Mas o gol que definiu a vaga saiu no jogo direto, vertical. Liberdade de Chamberlain para acionar Salah e deste para Mané. Disputa com a zaga e sobra para o toque com categoria do egípcio. No final, Firmino apenas selou a classificação dos Reds para a semifinal da Liga dos Campeões depois de dez anos.

O City construiu sua campanha quase perfeita na Premier League com um 4-3-3 executado com todos os conceitos aplicados por Guardiola. Laterais Walker e Delph ora apoiando por dentro, ora por fora se juntando aos ponteiros Sterling e Sané que são abastecidos por De Bruyne e David Silva e acionam Aguero ou Gabriel Jesus. Ideia bem assimilada, movimentos bem coordenados.

O obsessivo Guardiola desconstruiu tudo nos dois jogos das quartas-de-final e pela quinta temporada consecutiva sequer chega à decisão da Champions. Desta vez com duas derrotas. Sinal de que é preciso rever algumas ideias e práticas para suas equipes se tornarem mais competitivas nessas disputas mais imprevisíveis, condicionadas a mando de campo e definidos no placar agregado. Cenário bem diferente das ligas nacionais das quais o treinador caminha para o sétimo título em nove anos de carreira. Com jogos menos complicados de planejar e controlar.

Controle que foi o que o Barcelona não teve no Estádio Olímpico de Roma. Permitiu o jogo físico do time italiano bloqueando Messi e Suárez e forçando pelos lados e nos passes longos para Dzeko e Patrik Schick contra Piqué e Umtiti, sobrecarregado na cobertura de Jordi Alba. Duas esticadas para Dzeko, gol do bósnio no primeiro pênalti e pênalti sofrido e convertido por De Rossi. No "abafa", o gol de Manolas no escanteio.

No final, Piqué de centroavante. Desde 2010 é a solução quando o time de jogadores mais baixos, técnicos e velozes não consegue jogar ao natural e criar espaços. A Roma travou as infiltrações com Manolas, Fazio e Juan Jesus mais De Rossi na proteção e Florenzi negou as ultrapassagens de Alba. O Barça parou. De novo. Foi assim contra Atlético de Madri e Juventus.

Foram 15 finalizações a seis, oito na direção da meta de Ter Stegen e apenas duas que fizeram Alisson trabalhar. Domínio absoluto de quem parecia eliminado por conta dos 4 a 1 no Camp Nou.

E Messi? De novo flanando em campo como se jogasse uma partida qualquer da liga espanhola, que o argentino conquistou seis vezes nos últimos nove anos. Natural até demais…Mais uma vez não se viu a indignação com a derrota. Ou a noção de que é a Liga dos Campeões que vem definindo o melhor do mundo e, por isso, Cristiano Ronaldo transformou um 4 a 2 em 5 a 5. Agora caminhando para o desempate a favor do português. A terceira eliminação sem gols de Messi nos confrontos. Sintomático.

Noites históricas para Liverpool e Roma, com muito a comemorar. Feitos memoráveis também por superarem o treinador e o jogador mais talentosos desta era. Que construíram juntos uma trajetória vencedora lá no início da década e, fora a epopeia do Barça em 2015 com o trio MSN sob o comando de Luis Enrique, ficaram devendo em conquistas na competição mais importante.

É preciso mais que regularidade e foco na qualidade do jogo. E o paradoxo: enquanto Guardiola fica pilhado demais e acaba "inventando", Messi parece indiferente, serenidade que se transforma em letargia. Mais uma noite de fracasso para rever convicções e prioridades.

(Estatísticas: UEFA)

 

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.