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André Rocha

A lesão de Daniel Alves e o grande jogo de dados que é o futebol

André Rocha

09/05/2018 07h52

Imagem: Franck Fife / AFP Photo

Em sua ótima coluna na Folha de São Paulo, Tostão afirma que o jogo é uma mistura de inspiração e expiração, de ciência e imprevistos.

Podia ser Meunier ou qualquer outro lateral direito do futebol profissional do mundo inteiro em campo ontem na conquista da Copa da França pelo PSG na vitória por 2 a 0 sobre o Les Herbies, da terceira divisão francesa. Faria pouca diferença em mais um título do campeão francês e da Copa da Liga. Que volta a sobrar no país depois do "meteoro" Monaco na temporada passada.

Mas era Daniel Alves. Na noite de seu 38º título na carreira, mas que também pode lhe negar a chance de conquistar o trofeu mais cobiçado pelo brasileiro. A lesão no joelho direito, em um exame preliminar, afetou o ligamento cruzado e há o risco real do lateral ficar de fora da Copa do Mundo. A última de sua trajetória multicampeã.

Logo a lateral direita sem uma reposição confiável. Que pode cair no colo de Fagner, sem grande experiência internacional no mais alto nível, ou de Danilo, reserva do Manchester City e outra incógnita em  jogo grande no Mundial da Rússia. Talvez uma surpresa que apareça na lista pela emergência.

Daniel também pode se recuperar a tempo e o Brasil contar com os melhores laterais do mundo na formação titular. Mas também sofrer com as conhecidas fragilidades defensivas do jogador do PSG e também de Marcelo do lado oposto. Como já aconteceu há quatro anos. O gol da Croácia logo aos dez minutos da estreia do time de Felipão teve bola nas costas de Daniel Alves, cruzamento e Marcelo, no movimento errado da diagonal de cobertura, marcou contra. Fora o sufoco em outros jogos.

Algo minimizado pelo bom trabalho coletivo sem a bola com Tite, mas ainda um problema. Que no detalhe de um jogo eliminatório na reta final pode afastar a seleção brasileira da disputa do título. Mas a possibilidade do substituto na direita ser a solução para uma maior estabilidade na retaguarda não pode ser descartada. Afinal, entrando no time sem tanto lastro e minutos entre os titulares, a tendência natural é guardar mais o posicionamento atrás e só descer na boa.

Considerando que Danilo já atuou como zagueiro e até volante com Pep Guardiola e Fagner conhece toda a dinâmica das equipes de Tite na última linha de defesa pelos anos trabalhando juntos no Corinthians é possível que a mudança até traga um equilíbrio que não existia.

Impossível prever. E dependendo do desempenho e do resultado uma ou outra alternativa pode ser a justificativa para a glória ou o fracasso. Na mesma coluna citada acima, Tostão provoca: "Quando termina a partida, elegemos os heróis e os vilões e tentamos explicar, com bons ou maus argumentos, o que, muitas vezes, não tem explicação. Tem existência".

O campeão mundial em 1970 às vezes exige do comentarista uma "não análise". A função de quem estuda, observa e coloca sua visão é oferecer pontos de vista para que o espectador ou leitor forme sua própria opinião. Há sempre indícios que podem justificar um desempenho ruim e o mau resultado.

Mas tem toda razão quando fala do imponderável. Daniel Alves se lesionou numa decisão. Podia ser em um treino. Como Neymar dobrou o pé em um lance banal num jogo qualquer da Ligue 1. Como Casemiro, Marcelo e Firmino correm riscos na final da Liga dos Campeões. Ou qualquer um dos possíveis convocados. Até em casa, brincando com o filho.

Uma ausência pode definir tudo. Para o bem ou para o mal. Quantos não lamentam o corte de Romário em 1998 imaginando que o Baixinho poderia compensar o problema de Ronaldo antes da final da Copa? Mas quatro anos antes, o Brasil conquistou o tetra com Aldair e Márcio Santos na zaga que tinha como titulares os Ricardos, Rocha e Gomes. Em 2002, Gilberto Silva se transformou em um dos destaques da campanha do penta porque Emerson foi cortado por uma luxação no ombro. Brincando de goleiro em um rachão na véspera da estreia.

Como não lembrar de Einstein e sua famosa frase "Deus não joga dados com o Universo"? Mas cada vez mais o futebol, mesmo tendo também a sua porção de ciência, vai se mostrando um grande jogo de dados. De sorte e azar. Do imprevisto que salva ou destroi. Vejamos o que o destino reserva para Tite e seus comandados na Rússia.

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.