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André Rocha

Mbappé em tarde de Ronaldo Fenômeno encerra Era Messi na Argentina

André Rocha

30/06/2018 13h35

Podia ter sido bem mais tranquila a classificação francesa para as quartas de final. Mas o jogo parecia tão fácil e controlado depois do gol de pênalti de Griezmann pelos muitos problemas argentinos que a inteligência se transformou em acomodação, baixa intensidade.

Jorge Sampaoli – ou Mascherano ou Messi, como saber? – resolveu fazer uma mudança profunda na estrutura ofensiva da Albiceleste. Sacou Higuaín e abriu Pavón pela direita. Messi voltava a ser "falso nove". Talvez para criar indefinição entre Kanté e os zagueiros Varane e Umtiti.

O problema era o entorno. O 4-3-3 com "falso nove" do Barcelona, desde Rinus Michels e Johan Cruyff nos anos 1970 e atualizado por Pep Guardiola, necessita de movimentos muito coordenados para funcionar na frente. Quando Messi atrai os zagueiros e circula às costas dos volantes, os ponteiros precisam infiltrar em diagonal. Ou um dos meio-campistas se apresentar na frente.

A Argentina avançava as linhas, rodava a bola, tocava, tocava…e ninguém na área francesa. Bola roubada, a estratégia da equipe de Didier Deschamps era clara: bola longa procurando Mbappé entrando entre Rojo e Tagliafico. Defensivamente, o 4-2-3-1 tinha novamente Matuidi como "ponta volante" pela esquerda, mais próximo de Kanté e Pogba negando espaços a Messi e dando liberdade a Griezmann para circular atrás de Giroud na referência.

França novamente no 4-2-3-1 com Matuidi como "ponta volante" pela esquerda dando liberdade e Griezmann e Mbappé. A mudança argentina para o 4-3-3 com Messi como "falso nove" não funcionou na prática, apesar dos gols de Di María e Mercado (Tactical Pad).

Cobrança de falta de Griezmann no travessão, o pênalti de Rojo em Mbappé que abriu o placar. Por um passo, a joia do PSG não sofreu outro em seguida. Como uma locomotiva, atropelando os defensores com velocidade espantosa. Na falta, a cobrança ruim de Pogba. Meio-campista talentoso, mas um tanto indolente sem a bola.

Jogo à feição para a França. Mas numa cobrança de lateral pela esquerda, Pogba ficou "marcando" ninguém e abriu um buraco na entrada da área, ampliado pelo recuo excessivo de Kanté e Matuidi para bloquear com os quatro defensores apenas três adversários. Liberdade para Di María e um chutaço de rara felicidade.

No golaço de Di María, sete franceses bloqueando apenas três argentinos, Pogba fora da imagem marcando ninguém pela direita e toda liberdade para o argentino acertar chute de rara felicidade (reprodução TV Globo).

Para fechar um primeiro tempo de 64% de posse praticamente inócua da Argentina. Três finalizações francesas, duas dos sul-americanos. Apenas uma para cada lado no alvo. Os gols. Saída para o intervalo com os argentinos aliviados e confiantes.

Mais ainda com o gol de virada, em chute de Messi que desviou em Mercado. Parecia que desmancharia mentalmente a França com muitos jovens, apesar de rodados e jogando em alto nível na Europa. Mas bastou voltar a atacar em bloco e com intensidade para os defeitos argentinos, mesmo com a entrada de Fazio no lugar de Rojo, inseguro e já com amarelo, voltarem a saltar aos olhos.

Primeiro na jogada dos contestados laterais franceses. Hernández aproveitou o corredor deixado por Matuidi e centrou para Pavard se antecipar a Di María, aproveitar o rebote e conseguir um chute mais feliz e belo que a "chicotada" do espanhol Nacho na estreia contra Portugal.

Confiança restabelecida, Mbappé entrou em ação novamente. Dois gols decisivos. Um de recurso para criar espaços dentro da área argentina e finalizar. Para resolver, o contragolpe rápido, a infiltração em diagonal e o chute preciso finalizando assistência de Giroud. Uma tarde para lembrar mais Ronaldo Fenômeno que Thierry Henry, com quem o garoto quase sempre é comparado em seu país.

No final, uma dura e irônica mostra para Sampaoli – ou Mascherano ou Messi, como saber? – que não deviam ter descartado o uso de um centroavante na área. Centro de Messi, gol de Aguero, que entrara na vaga de Enzo Pérez. E ainda um sufoco no final, com a França novamente acomodada. A ponto de tirar Mbappé para receber os aplausos ao ser substituído por Thauvin. Um 4 a 3 que podia ter sido com menos sustos para os Bleus.

Provavelmente é o fim da Era Messi na seleção em Copas do Mundo. Difícil ver o gênio do Barcelona com forças, física e mentalmente, para superar um novo ciclo para ir ao Qatar com praticamente 35 anos. O futebol lamenta que apenas em 2014 ele contou com uma seleção minimamente organizada que potencializasse seu talento. Fica também a crítica à falta de poder de decisão do camisa dez quando a seleção mais precisou. E neste Mundial foi difícil entender as decisões de Sampaoli e as raríssimas oportunidades para o talentoso Dybala. Muitos problemas para compensar. Nem Messi.

A França segue, agora com status de favorita depois de se impor num jogaço. Porque parece ter encontrado a melhor formação. Que potencializa seu maior talento emergente. Kylian Mbappé, 19 anos. Candidato a gênio, melhor do mundo na era pós Messi x Cristiano Ronaldo. Uma atuação fenomenal que definiu o maior confronto das oitavas de final na Rússia.

(Estatísticas: FIFA)

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.