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André Rocha

Não é videogame! A ironizada geração belga vence Brasil nos detalhes

André Rocha

06/07/2018 17h47

A primeira vantagem da Bélgica foi justamente no que este blog alertou ontem: a surpresa. A atuação no primeiro tempo contra o Japão e a fragilidade de Panamá e Tunísia, quando os titulares estavam em campo, sugeriam uma mudança para o maior jogo desta geração.

Ela veio da maneira mais inesperada. E ousada. Fellaini e Chadli no meio à frente de Witsel. De Bruyne como "falso nove", Lukaku aberto pela direita e Hazard na esquerda. Um 4-3-3 confiando na concentração defensiva dos sete jogadores de linha e no talento do trio ofensivo para desestabilizar o sistema defensivo brasileiro.

Mas ela não se fez presente de início, até porque a equipe de Roberto Martínez também precisava de um tempo para assimilar a nova proposta de jogo e o desenho tático inédito. Nos primeiros minutos o jogo era equilibrado.

O detalhe decisivo veio na sequência da cobrança de escanteio de Neymar que Miranda desviou e Thiago Silva escorou na trave direita de Courtois e, em seguida, o escanteio do outro lado cobrado por De Bruyne que Fernandinho colocou nas redes de Alisson.

Não foi só por estar pela primeira vez na Copa do Mundo em desvantagem. O erro de Fernandinho, um dos personagens do 7 a 1 e substituto de Casemiro, claramente abalou não só o jogador como toda a defesa, que se sentiu desprotegida.

Tensa, a equipe de Tite tomava mais decisões erradas em campo que o habitual. A Bélgica roubava a bola e acionava rapidamente o tridente às costas dos volantes e de frente para a defesa. Com Miranda saindo para cobrir Marcelo, mas sem a proteção de Casemiro. Até Lukaku ganhar de Fernandinho, atrair toda a defesa para dentro e deixar todo o espaço para De Bruyne ajeitar e acertar um chute cruzado espetacular.

A volta do intervalo com Roberto Firmino no lugar de Willian e Gabriel Jesus na direita, com a marcação sobre o trio belga mais bem coordenada e com Miranda levando vantagem sobre Lukaku, o Brasil foi avançando. Melhorou ainda mais com Douglas Costa na vaga de Jesus. Por fim, Renato Augusto qualificou o toque no meio-campo ao substituir Paulinho.

O Brasil jogou para empatar e até virar. Mas em uma disputa tão parelha os erros técnicos são impiedosos. Renato Augusto completou bela assistência de Coutinho no gol único da seleção. Mas a dupla perdeu um par de chances cristalinas. Com liberdade, de frente para o gol podendo escolher o campo. Falharam. No final, Courtois fez uma defesa espetacular em chute de Neymar. Foram 26 finalizações, nove no alvo. Faltou o gol.

O brasileiro não aceita derrota em Copa do Mundo. Sempre perdemos para nós mesmos. Agora haverá a caça às bruxas habitual. Tite será culpado até por bobagens como o rodízio de capitães e divulgar a escalação na véspera. Desta vez com mais ódio pelo momento da sociedade brasileira, mas principalmente por ter sido contra a Bélgica.

Logo a "geração belga" tão ironizada desde 2014. Os ídolos da "geração playstation", dos "nutellas". Vítimas de deboche por uma derrota para a Argentina de Messi no último Mundial aqui no Brasil. Massacrados pela eliminação também nas quartas de final da Eurocopa 2016 para País de Gales. Alvo da ignorância voluntária, de quem faz questão de não assistir ao futebol jogado nos grandes centros, mas se acha no direito de opinar cheio de razão. Do desprezo aos craques que não são daqui.

Mas ainda talentosos. E agora maduros, com a "casca" dos reveses anteriores e até da vitória sofrida nas oitavas sobre o Japão. Para fazer um grande jogo em Kazan. A vantagem no placar ainda na primeira etapa construiu as estatísticas de 43% de posse e apenas oito finalizações. Três no alvo. Os belgas sofreram e foram dominados no segundo tempo. Mas já são experientes para não desmancharem mentalmente e no final reterem a bola no campo de ataque. No campo real, não no vídeogame!

No saldo final, o gol contra fez a diferença. No mental e no placar final. Bélgica e França farão uma semifinal espetacular e já está garantida uma decisão inédita de Copa do Mundo. Emblemático no futebol atual. Que aprendamos todos, de uma vez por todas, que camisa pesa, sim. Mas antes da tradição vem o desempenho. A precisão. Quem erra menos está mais perto da vitória.

(Estatísticas: FIFA)

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.