Topo

André Rocha

São Paulo e Internacional sofrem com a "síndrome do favoritismo"

André Rocha

27/08/2018 07h42

Quantas vezes você já ouviu logo após alguma conquista ou grande vitória no futebol brasileiro um jogador ou treinador, ainda na emoção e adrenalina do triunfo, falar que "ninguém acreditava na gente, mas trabalhamos quietinhos e está aí o resultado!" ou coisa parecida?

É muito comum porque faz parte da nossa cultura. Dos cinco títulos mundiais da seleção brasileira, a rigor, apenas o de 1962 foi com o favoritismo da conquista de 1958 e da base mantida. Ainda assim, teve que superar o abalo da perda de Pelé por lesão no Mundial do Chile.

Ser zebra é cômodo, não traz grandes responsabilidades. O trabalho motivacional tem um alvo fácil: "eles", os que não acreditam e menosprezam. Mais fácil mobilizar, manter todos concentrados. Até uma raiva no limite certo colabora para competir mais forte.

No cenário do favoritismo só há exigências. De resultados e, na maioria das vezes, de espetáculo. Uma cobrança estética que é inviável por aqui pela falta de continuidade dos trabalhos, as constantes mudanças no elenco e a saída para o exterior dos mais talentosos ou que estejam se destacando.

São Paulo e Internacional não podiam ser considerados favoritos antes do Brasileiro. Até o Flamengo era uma incógnita, pela perda do Carioca e a demissão de Paulo César Carpegiani, sucedido pelo jovem Maurício Barbieri. O rubro-negro acabou surpreendendo nas primeiras doze rodadas antes da Copa do Mundo. Mesmo com alto investimento, a liderança conquistada com bom desempenho era inesperada.

Bastou retornar com o peso da expectativa, associada à saída de Vinícius Júnior para o Real Madrid e alimentada pela galhofa da torcida com o mantra "Segue o líder!", para o rendimento cair. Com o "agosto negro" emendando partidas da Série A com Libertadores e Copa do Brasil, o desgaste completou o serviço.

Subiu o São Paulo e, no "vácuo", o Internacional. Dedicados apenas ao Brasileirão, se transformaram nos times a serem batidos. Responsabilidade desconfortável mesmo para clubes grandes, porém com torcidas sofridas e sem grandes expectativas a curto prazo. De repente todos os holofotes estavam virados para a dupla de redivivos.

Junte a isso os modelos de jogo de Diego Aguirre e Odair Hellmann mais voltados para o controle de espaços, marcação com intensidade e saídas para o ataque em velocidade e temos duas equipes que sofrem quando precisam ocupar o campo de ataque e criar. Sem contar a instabilidade emocional e a insegurança para se impor.

Mais uma vez, o paradoxo: os resultados são construídos de uma maneira até a equipe alcançar o topo. Uma vez lá, para mantê-los é preciso mudar o estilo. O contexto exige, com adversários fechados. Agora o "franco atirador" está do outro lado.

Não por acaso o São Paulo empatou com o Paraná fora de casa e sofreu para vencer o Ceará no Morumbi. Nem jogou mal, apesar das 36 bolas levantadas na área do oponente, mas a dificuldade imposta, mesmo por times lutando para se manter na primeira divisão, é maior. As virtudes e defeitos são mais estudados. Além disso, como estimular e mobilizar se agora todos respeitam e muitos até temem? Não há nada a superar quando se está no topo.

Ou mesmo perto dele. O Internacional encarou seu primeiro grande duelo dos seis que terá no Beira-Rio neste returno. Expectativa e favoritismo, até pela opção de Luiz Felipe Scolari de escalar um Palmeiras repleto de reservas no Brasileiro para priorizar os torneios de mata-mata. Para complicar, a pressão por conta da vitória do São Paulo no jogo das 11h.

Resultado: um time tenso e ainda mais travado pela postura ofensiva do visitante, que finalizou 15 vezes contra oito, mesmo com apenas 42% de posse de bola. O Colorado hesitou quando mais se esperava dele. Talvez a ansiedade pela busca de um título que não vem desde 1979 justamente no ano da volta do inferno da Série B tenha pesado. Mas a partir de agora, já escaldado e sem preocupar tanto os adversário, é possível que as partidas ganhem menos peso.

Porque o favoritismo joga contra, ainda mais nos pontos corridos. No mata-mata há a imprevisibilidade, a chance do time menos poderoso se impor em casa ou surpreender fora. Na liga quem está na frente passa a ser tratado como a referência.

Repare nos últimos campeões: o Corinthians era chamado de "quarta força" em 2017, mas quando disparou na ponta sofreu contra equipes menores, principalmente em casa, pela obrigação de atacar. A vitória chave, sobre o Palmeiras, veio quando o time, mesmo ainda na primeira colocação, foi tratado como "zebra" por conta má fase. Fabio Carille mexeu no time, voltou a unir todos em torno de um "inimigo" e o triunfo no clássico encaminhou o hepta.

No ano anterior, o Palmeiras de Cuca liderava, mas parecia o azarão com o Flamengo atraindo toda atenção para si com o papo do "cheirinho". Justamente o que manteve todos no Alviverde ligados e sem dar chance ao azar. Com a conquista e o aumento de investimento no elenco, mudou de patamar e, pressionado, não venceu mais nada.

Voltando à exigência por espetáculo, curioso observar que com Roger Machado havia uma cobrança por um estilo vistoso que não se vê com a volta de Felipão. Agora é futebol de resultados e só. Com menos pressão é possível pensar em novas conquistas.

Veja o Flamengo. Quando Eduardo Bandeira de Mello assumiu em 2013, a promessa era de títulos em dois anos, depois de equacionar dívidas e aumentar as receitas. Pois foi justamente no primeiro ano, com o elenco que foi possível montar dentro da austeridade financeira, que veio o único título nacional desta gestão: a Copa do Brasil. Desacreditado e arrancando na reta final. Agora, com uma contratação de impacto por ano desde 2015, o Fla coleciona fracassos no mais alto nível.

Por aqui vale muito o dito popular "quem tudo quer nada tem". Mais fácil fingir que não pode, fazer o papel de coitadinho. Antes São Paulo e Internacional podiam blefar, agora não têm para onde correr. É preciso conviver e saber lidar com a "síndrome do favoritismo" tipicamente brasileira. Na segunda rodada do returno, o tricolor do Morumbi se saiu melhor e aumentou a vantagem na liderança.

(Estatísticas: Footstats)

 

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.