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André Rocha

Os três grandes desafios e o maior obstáculo para Dorival no Flamengo

André Rocha

30/09/2018 09h58

Dorival Júnior foi anunciado oficialmente na sexta à noite, saiu de Florianópolis e chegou a Salvador na madrugada do sábado. Concedeu coletiva pela manhã e às 21h estava à beira do campo para comandar o Flamengo contra o Bahia.

O empate sem gols vai para as estatísticas como a sua estreia, mas o trabalho começa mesmo a partir de segunda. A missão é clara: onze jogos para tirar o time agora da quinta colocação do Brasileiro e entregar o título relevante esperado pela gestão Bandeira de Mello desde a Copa do Brasil 2013. Para isso há três grandes desafios e um enorme obstáculo, o maior de todos.

A primeira meta muito clara é tornar o time menos lento. Na transição defensiva a equipe até tem um comportamento interessante assim que perde a bola: pressiona e tenta retomá-la o mais rápido possível. Mas quando o adversário consegue sair dessa "blitz" a recomposição é vagarosa, deixando espaços generosos entre os setores.

Lento também na circulação da bola. O time valoriza a posse, mas troca passes sem muita objetividade. Porque como não acelera e arrisca para furar as linhas de marcação, quase sempre encontra o sistema defensivo do oponente bem postado e, na falta de espaços, toca, toca…abre no lateral e tome cruzamentos! O problema passa muito por Diego e Lucas Paquetá, que conduzem, driblam, mas na maior parte do tempo não soltam com a velocidade exigida no futebol atual.

Falta também uma referência de velocidade para os contragolpes. Como era Vinícius Júnior. O desafogo, o atacante que intimida a defesa adversária a acompanhar o avanço dos outros setores. Não é Vitinho, nem Marlos Moreno. Pode ser Berrío, incógnita pelo longo tempo de inatividade em função de uma grave lesão.

O outro grande desafio é transformar domínio em gols. O melhor desempenho da equipe na temporada foi o segundo tempo contra o Grêmio no jogo de ida pela Copa do Brasil. Mais de 70% de posse de bola, muito volume de jogo. Finalizações também, mas sem a chance cristalina. Porque é raro o ataque bem construído, com começo, meio e fim. A jogada trabalhada que chega ao fundo e serve o atacante bem posicionado. Acabamento perfeito: assistência e finalização. No Fla é raríssimo. Aconteceu no gol do Lincoln.

A queda pós-Copa do Mundo tem a ver com a ausência da joia que partiu para o Real Madrid, mas passa também pela maior dificuldade dos jogos. No returno a grande maioria já sabe qual é o seu objetivo no campeonato e as partidas ficam mais duras, disputadas. Os adversários entram em campo com a certeza de que o Flamengo vai se instalar no campo de ataque e tocar a bola. Negam os espaços para infiltração e exploram os espaços cedidos. A proposta de jogo exige mais eficiência no ataque.

A média de finalizações necessárias para fazer um gol no campeonato nem é tão alta: 9,1. Igual a do Internacional e abaixo apenas de São Paulo, Atlético Mineiro e Palmeiras. Mas em jogos grandes, parelhos é nítida a dificuldade para ir às redes.

O terceiro aspecto que precisa de uma melhora urgente é a força mental. O Flamengo é um time pressionado por torcida e boa parte da imprensa, mas carrega muitas frustrações recentes. Desde 2015, quando a capacidade de investimento aumentou, o clube conquistou apenas o Carioca de 2017. Só. As seguidas eliminações e derrotas em finais criaram um estigma de perdedor em boa parte do elenco.

Para piorar, a postura de Bandeira de Mello é de muito carinho e quase nenhuma cobrança. Não precisa fazer terrorismo, mas um elenco caro, com salários em dia e boas condições de trabalho, pode e deve entregar mais. Sem vitórias para respaldar, algumas lideranças ganharam poder para, por exemplo, manter Mauricio Barbieri como treinador. Exatamente porque o jovem profissional ficaria "refém" dos atletas e seria mais permissivo, assim como aconteceu com Zé Ricardo.

Na prática, os jogadores desanimam fácil nas partidas e se acomodam no dia a dia. Um cenário terrível para uma camisa pesada, com tanta história e visibilidade. Justamente o oposto dos momentos mais vencedores do clube.

O grande obstáculo para Dorival Júnior é o tempo. Dois meses para lidar com tantos problemas e ainda o cenário político conturbado por conta da eleição, com a situação desesperada pela glória no último instante para garantir a vitória do sucessor de Bandeira. Ainda que o treinador ganhe algumas semanas livres para recuperar e treinar parece pouco. A solução deve ser foco total no desempenho, blindar os jogadores do extra-campo e trabalhar jogo a jogo. Só metas a curto prazo, até porque o longo não existe.

Dorival terá que subverter o seu último trabalho, no São Paulo. Sofreu com os mesmos problemas no Morumbi e sucumbiu. O tempo fora do mercado pode ter ajudado a entender a sua cota de responsabilidade no fracasso. É preciso fazer diferente. A atuação ruim em Salvador, especialmente no primeiro tempo,  foi o choque de realidade que faltava. Agora é trabalhar para virar quase tudo do avesso e fazer história.

(Estatísticas: Footstats)

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.