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André Rocha

Palmeiras B campeão será a "experiência de quase-morte" do Brasileirão

André Rocha

01/10/2018 08h17

Você consegue imaginar um Real Madrid valorizando mais a Copa do Rei do que La Liga ou o Bayern de Munique lamentando mais a eliminação da Copa da Alemanha do que ficar para trás na disputa pela salva de prata da Bundesliga?

Improvável, não? No Brasil, porém, funciona diferente. Além da Libertadores, a Copa do Brasil é tratada como prioridade pelos grandes clubes. Não só pelo alto valor da premiação, mas por uma simples questão de cultura. Se contarmos desde 1959, foram 43 anos de disputa do Brasileiro no mata-mata. Apenas 16 nos pontos corridos. De 1989 a 2002, as duas principais competições nacionais eram definidas em jogos eliminatórios e parecia ok pra todo mundo.

Os pontos corridos, mesmo com os lamentos de muita gente, chegaram a pegar por aqui. Assim como a visão de que a regularidade, valorizando todos os jogos, normalmente era a grande virtude do campeão.

Tudo mudou com Libertadores e Copa do Brasil passando a ser disputadas durante toda a temporada, como acontece na Europa. A possibilidade de ser campeão disputando menos partidas se transformou numa sedução quase irresistível. Os clubes com maior capacidade de investimento e elencos mais robustos agora disputam o Brasileiro utilizando várias vezes seus times reservas.

O que deveria ser a principal competição nacional virou, na prática, prêmio de consolação. Só passa a ser prioridade quando não há mais nada em disputa. Dependendo do clube, até a disputa da Sul-Americana pode ser colocada na frente. Também por conta do aumento de vagas para a Libertadores. Um G-6 que pode virar até G-9. Quase metade dos participantes…

Tudo isso cria um cenário de desvalorização que pode ganhar um capítulo dramático se o atual líder Palmeiras confirmar o título nas últimas onze rodadas. Desde a chegada de Luiz Felipe Scolari disputando a maioria das partidas com reservas. O experiente treinador usa a retórica para não admitir que é um time B e valorizar todos os jogadores. Mais que legítimo.

E vem dando certo. Usando três ou quatro titulares, normalmente no meio-campo e ataque, está invicto há onze rodadas: oito vitórias e três empates. Incríveis 82% de aproveitamento. Com Gustavo Gómez, Marcos Rocha, Lucas Lima, Hyoran e Deyverson se destacando, além de Felipe Melo e Dudu, tantas vezes pinçados do time A.

Todos os méritos para Felipão, comissão técnica e atletas. Mas um claro sintoma do achatamento técnico da competição. Não só pelo momento do futebol brasileiro já analisado tantas vezes neste blog, com equipes cada vez mais organizadas para defender e sem ideias quando precisam criar espaços diante de times compactos. E ainda tensas com a responsabilidade do favoritismo.

Incrível como o São Paulo caiu de rendimento depois que passou a ser de fato candidato ao título que não conquista há dez anos. Mesmo com desfalques importantes, a queda dos comandados de Diego Aguirre foi brusca. É possível notar em campo uma equipe travada pelos próprios nervos. Precisa vencer e não sabe bem como. A torcida fica ainda mais pilhada ao ver os grandes rivais da cidade em um momento tão bom em termos de resultados – Corinthians e Palmeiras são os últimos campeões brasileiros e seguem fortes no mata-mata.

O mesmo com o Internacional vindo da Série B e que de repente se viu disputando o topo da tabela. Outro time que precisa dar respostas diante da força do grande rival, o Grêmio campeão sul-americano e praticamente garantido nas semifinais do torneio continental em 2018. Mais uma equipe que sem brechas para infiltrar entra em parafuso e sofre mais do que devia, mesmo em jogos relativamente tranquilos contra times tentando se afastar do Z-4.

Por enquanto o Palmeiras está leve. Disputa as partidas sem maiores cobranças. Não só pelo crédito histórico de seu treinador, mas principalmente por também estar com a classificação bem encaminhada para as semifinais do principal torneio sul-americano. Buscando o bi com Felipão. A eliminação na Copa do Brasil teve seu impacto em um clube ávido por taças, mas sem gerar crise.

Esta tranquilidade somada ao desempenho com notável regularidade pode, sim, acabar em título. Ainda que a tabela reserve o clássico contra o São Paulo no Morumbi já na próxima rodada e depois duelos fora de casa contra Flamengo e Atlético Mineiro.

Se acontecer será uma espécie de "experiência de quase-morte" do Brasileirão. Um duro atestado de desvalorização. A dança com a prima no final da festa. Algo para CBF, clubes e até a TV Globo repensarem. Ainda que a audiência siga com bons números e até a média de público esteja mais alta, turbinada pelos programas de sócio-torcedor que estimulam a fidelidade. Mas fica cada vez mais cristalino que o foco é mata-mata.

As quartas estão mais nobres que os fins de semana. Sinal dos tempos.

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.