São Paulo de Jardine sofre com dilema: como mudar de estilo sem treinar?
Em conversa informal recente com este blogueiro, Roger Machado ressaltou o maior dilema dos treinadores que tentam algo diferente no futebol brasileiro: mudar comportamentos sem tempo para treinar dentro do nosso calendário inchado. Mais complicado ainda quando esses automatismos do jogador vêm desde as divisões de base.
Roger citou o exemplo de um atleta sob seu comando que recebeu insistentemente orientações para guardar seu posicionamento na ponta às costas do lateral adversário. Se este descesse, a marcação estaria pronta para fechar os espaços, evitar a superioridade numérica e, ao recuperar a bola, acionar rapidamente o atacante com espaço para acelerar e só parar na área do oponente.
No campo, porém, o ponta voltava com o lateral e o time perdia a referência para os contragolpes. No intervalo, Roger foi conversar com o jogador e ele respondeu: "professor, eu sei o que você me pediu. Mas meu corpo corre instintivamente para colar no lateral porque eu faço isso desde garoto".
Há décadas nosso jogo é baseado em confrontos individuais. Ponta contra lateral, volante contra meia, zagueiro contra centroavante. Indo e voltando, com perseguições mais ou menos longas. Marcação que prioriza o homem em detrimento do espaço.
Ainda que Zezé Moreira tenha sido um dos pioneiros da marcação por zona nos anos 1950 como discípulo do treinador húngaro Dori Kruschner. Só com a ascensão de Tite no Internacional e depois no Corinthians é que a velha lógica sem a bola foi resgatada e atualizada, mas à base de muito trabalho e convencimento dos comandados.
E assim chegamos ao São Paulo, que sai de Diego Aguirre para André Jardine. modelos de jogo diametralmente diferentes. Para piorar, o próprio clube hoje não tem uma identidade. As duas referências, Telê Santana e Muricy Ramalho, embora tenham trabalhado juntos no início e este trate aquele como grande referência, na prática são ideias opostas. Ofensiva e reativa. Este embate, ainda que inconsciente, existe até na direção do futebol, com Raí e Ricardo Rocha dos tempos de Telê e Diego Lugano, campeão com Muricy.
Jardine recebeu o time e tem cinco partidas para melhorar desempenho e alcançar resultados com o objetivo de se manter no projeto para 2019. Ainda com o compromisso de afirmar seu estilo, deixar uma "assinatura".
Missão inglória, principalmente pela falta de tempo para treinar. Ou seja, é preciso mudar hábitos na conversa, com auxílio de vídeos e uma ou outra sessão de treinamentos. Sair de uma proposta reativa, baseada na velocidade pelos flancos e nas jogadas aéreas com bola parada ou rolando definindo rapidamente os ataques, para um trabalho com posse de bola, compactações defensiva e ofensiva, pressão depois da perda, paciência para movimentar e trocar passes até infiltrar e finalizar.
Mudar a lógica, ainda que tenham o espaço como referência e não o homem. É preciso trocar o sistema inteligente com o carro em movimento e precisando cumprir metas a curtíssimo prazo. A oscilação seria mais que natural e até esperada, mesmo com a motivação natural pela troca de comando.
Foi o que aconteceu em São Januário na derrota por 2 a 0 para o Vasco. Com 68% de posse de bola, 378 passes trocados e nove finalizações, a rigor teve duas grandes oportunidades: uma no belo chute do lateral Reinaldo que passou muito perto da trave esquerda de Fernando Miguel, que já estava sem reação no lance, e na defesa espetacular do goleiro cruzmaltino em cabeçada de Rodrigo Caio. Na bola parada, já dentro de um abafa final no desespero buscando o empate.
Poucas infiltrações em jogadas trabalhadas. Para piorar, Jucilei errou passe fácil com a equipe saindo do posicionamento defensivo para a transição ofensiva e Andrey aproveitou o desequilíbrio para bater forte e o goleiro Jean aceitar o chute de longe no primeiro gol. Com o time escancarado já nos acréscimos, o pivô de Maxi López encontrou Yago Pikachu livre para definir o jogo.
A reação ensaiada no empate contra o Grêmio e na vitória sobre o Cruzeiro, ambos no Morumbi, travou no Rio de Janeiro contra o Vasco. Faltam duas partidas: Sport no Morumbi e Chapecoense na Arena Condá. Confrontos com times desesperados na luta para se manter na Série A, que devem optar por um jogo mais físico e reativo. Atraindo para explorar espaços às costas da defesa tricolor.
Missão complicada para André Jardine e seus conceitos. Pelo menos entre os jogos haverá uma semana para treinamentos. Será suficiente para assimilar tantas ideias novas? Como diz Roger Machado, o relógio está sempre contra quem não opta pelo futebol mais simples. O São Paulo é só mais um clube que não entende e respeita processos e desafia o tempo. Quase sempre não funciona e seguimos insistindo.
(Estatísticas: Footstats)
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