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André Rocha

Futebol raiz no dos outros é refresco!

André Rocha

26/11/2018 05h33

Foto: Jorge Pablo Batista/Instagram

A Libertadores é uma competição que ainda carrega sua tradição, mas objetivamente não passa de um torneio que aos olhos do mundo significa muito pouca coisa. Baixo nível técnico e tático, estádios nem sempre modernos, confortáveis e cheios, péssimas arbitragens, jogos lentos e intensidade confundida com violência.

Só chama atenção dos envolvidos emocionalmente ou por dever da profissão. Especialmente observadores de clubes de grandes centros atrás de jovens talentos. O campeão, se chegar à final do Mundial de Clubes, não passa de um adversário "pitoresco" do vencedor da Liga dos Campeões e, na prática, se torna um sparring com algum charme.

Uma visão incômoda e inconveniente. Como diz um meme que circula por ai, "não podemos publicar isso". Afinal, vai desvalorizar o produto e os nossos times que tratam como meta máxima da temporada. Conquista de prestígio. Então para buscar algo positivo e atraente sobre o principal campeonato de clubes da América do Sul alguns afirmam, orgulhosos, que é o fiel representante do "futebol raiz".

O que significa? O oposto do "futebol Nutella" da Liga dos Campeões. Um contraste. E como num passe de mágica tudo que era negativo passa a ser "romântico". Dos bons e velhos tempos. Como se o passado fosse algo que provocasse boas recordações, sem agressões aos times visitantes, jogadores usando e abusando do doping e de todo tipo de intimidação para vencer em seus domínios.

O fetiche do futebol "testosterona", onde vence quem é mais macho, persiste. O último templo da virilidade, que não custa a se transformar em barbárie, dentro ou fora de campo. Como no Monumental de Nuñez no sábado. Ônibus do Boca Juniors atacado, jogadores lesionados e sem a devida condição emocional para disputar uma final contra o maior rival River Plate.

Disputa que atraiu os olhos do mundo. Pela enorme rivalidade dentro da mesma cidade, a grande tradição dos dois clubes, nove títulos em campo. Mas notava-se que a cobertura da imprensa internacional mirava algo inusitado, um tanto selvagem. Como turismo numa favela carioca ou visita a uma selva. Quase nada pelo futebol.

Como muitos turistas fazem ao visitar alguns estádios no continente. Apreciam a arquitetura ultrapassada, admiram a paixão dos torcedores que se vangloriam de sofrer por seus times nas arquibancadas de cimento e muitas vezes colocando até as próprias vidas em risco. Vale a visita. Para depois retornar ao conforto das arenas. Ou do ar condicionado de suas casas.

Enquanto isso seguimos cultuando o mal feito pela Conmebol, que só copia a UEFA no mais irrelevante e desconectado de nossa cultura: final da Libertadores em jogo único e campo neutro. Organização? Para quê? Não faz parte da nossa cultura. É o que dizem…

Até que no sábado uma decisão esperada pelo planeta bola foi adiada de 18h (hora de Brasília) para 19h, depois 20h15…Para às 20h30 anunciarem o que devia ter sido oficializado assim que foi detectada a lesão no olho do meio-campista do Boca Juniors Pablo Pérez. Não havia a mínima condição da partida ser realizada. Para só no domingo ser transferida sem previsão. Agora com o Boca ameaçando pedir a punição do River e ficar com a taça.

Frustrante para quem comprou ingresso ou conseguiu credencial para trabalhar. Mas não devia ser para quem acha toda essa balbúrdia uma prova de autenticidade, sem o chato rigor na organização da Champions. Dos estádios elitizados, dos times poderosos que "roubam nossos talentos", das vitórias "assépticas" dos mais ricos.

Sim, garantir a inclusão é necessário com ao menos um setor do estádio cobrando um preço acessível. É claro que traços culturais precisam ser preservados, incluindo a identidade visual dos templos do futebol. Mas nivelar por baixo porque é América do Sul soa como preconceito. Mesmo entre os que defendem as práticas arcaicas.

Muito fácil para quem não vive o desconforto diário.Quem não enxerga e tem vergonha da própria miséria. Ou quem não se importa com a "maior final de todos os tempos" reduzida a um retrato da nossa indigência. A foto de Pérez vítima da nossa violência diária, ferido em um dos olhos.

Futebol raiz no dos outros é refresco!

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.