Topo

André Rocha

Explicando o óbvio: elogiar Sampaoli não é apostar em títulos do Santos

André Rocha

28/01/2019 07h36

Compactação, amplitude, intensidade, igualdade ou superioridade numérica em todos os setores e fases do jogo, pressão pós-perda. Tudo que há de atual no futebol jogado no mais alto nível foi visto no Pacaembu, com o Santos como protagonista na vitória por 2 a 0 sobre o São Paulo.

É simples explicar uma demonstração de força tão precoce na temporada: Jorge Sampaoli é um treinador de segunda prateleira no futebol mundial em termos de conceitos. Alcançou este status comandando o Chile campeão da Copa América e quase eliminando o Brasil em casa nas oitavas da Copa de 2014. Só fica abaixo de gigantes como Pep Guardiola e Jurgen Klopp.

Por que está no Brasil e não duelando com os melhores nos grandes centros? A causa reside em uma escolha infeliz: trocar o Sevilla pela AFA. Comandar uma seleção argentina bagunçada e rachada, que trocou o coletivo pela simplificação de processos para beneficiar os talentos, especialmente de Messi. Uma clara incompatibilidade de propostas que não podia dar certo e o fracasso bateu à porta nas oitavas de final da Copa na Rússia contra a França de Mbappé.

O treinador encara o Santos como um recomeço na carreira. O estilo personalíssimo e obsessivo de comandar suas equipes, claramente inspirado em Marcelo Bielsa, costuma se dar melhor em equipes sem estrelas. Embora tenha reclamado das limitações financeiras do novo clube para contratar, Sampaoli trabalhou para entregar uma resposta rápida com o que tinha.

Na estreia faltou profundidade, já que a equipe vinha treinando com Derlis González e Bruno Henrique e se viu sem a dupla contra a Ferroviária. Mas como o paraguaio permaneceu, seu retorno e a estreia do venezuelano Soteldo diante do São Bento deram liga ao time. A ponto da dupla de estrangeiros ser escalada no ataque contra o São Paulo. Jogando no limite da última linha da defesa rival e sendo municiada por dentro pelos meias Sánchez, Diego Pituca e Jean Mota e nas laterais por Victor Ferraz e Orinho.

Quem observar apenas os gols do "San-São" pode imaginar que o alvinegro praiano está jogando mais do mesmo no Brasil: um gol de bola parada com Luiz Felipe e outro de contragolpe com González. Mas se assistir aos 90 minutos verá que o domínio foi absoluto.

Inclusive com adaptação à mudança no São Paulo, que passou a atuar com Diego Souza e Pablo no segundo tempo. A entrada de Felipe Aguilar repaginou o Santos com três zagueiros em uma típica solução "bielsista": sempre ter um defensor a mais que o número de atacantes típicos do adversário. Deve ser uma alteração recorrente na temporada.

Eis a questão: como será o ano do Santos de Sampaoli? Muito trabalho de campo, mas orçamento limitado que pode complicar o técnico quando vierem as lesões e suspensões. Como o argentino de personalidade forte vai lidar com os momentos de oscilação? No Brasil, a euforia rapidamente se transforma em depressão e cobranças desmedidas quando os resultados não aparecem. Ainda mais de um time com início tão promissor.

Sem contar que o mata-mata costuma apresentar disputas baseadas mais na força mental e na qualidade individual do que no trabalho coletivo, normalmente comprometido pela tensão de jogos valendo tudo ou nada. E se o titulo paulista não vier?

O brasileiro em geral – torcida, dirigente, jornalista e até o jogador – pode apreciar novidades e um estilo ofensivo. Mas quando vale taça costuma ser conservador. Fazer o simples, fechar a casinha, goleiro é para jogar com as mãos e bola no talento para resolver. Quando o inovador é derrotado o peso da crítica normalmente é maior. Foi assim com Juan Carlos Osorio, é assim com Fernando Diniz, Roger Machado e outros. Tite caiu no gosto popular porque trabalha conceitos atuais, mas com cuidado e buscando equilíbrio. Nada muito arrojado. Sem "conceitinhos" e "pardalices".

Sampaoli vai sobreviver? Seu futuro está condicionado às vitórias, como o de todos os treinadores. Há muitas variáveis nessa equação, inclusive o temperamento do treinador e a gestão de grupo quando os conceitos estiverem assimilados pelos atletas. Seria ótimo para o futebol brasileiro o domínio de um estrangeiro que arrastasse o nosso jogo para o século 21, atacando e defendendo. Mas o sistema quase sempre expurga a contracultura. Se vencer, o argentino será exceção.

Por tudo isso é necessário explicar o óbvio: os elogios de hoje não significam aposta em títulos do Santos em 2019. Está bonito de ver. Será lindo de torcer para os santistas?

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.