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André Rocha

Quando vamos aceitar de vez que o futebol mudou e nos tirou do topo?

André Rocha

05/02/2019 09h02

Seleção brasileira sub-20 perde para o Uruguai por 3 a 2, não tem mais chances de título do Sul-Americano e, com apenas um ponto em três rodadas do hexagonal, complica até a vaga para o Mundial da categoria. Campanha lamentável até aqui que provoca as "reflexões" de sempre sobre o futebol cinco vezes campeão do mundo. Incluindo um "editorial" de Galvão Bueno no programa "Bem, Amigos!" do SporTV.

"Geração mimada", "chuteiras coloridas, cabelos  exóticos", "jogadores de empresários", "falta ginga", "CBF corrupta e incompetente" são algumas das explicações para os insucessos. Talvez com alguma razão em todos os pontos, mas sem focar na questão central: o futebol mudou e nos tirou do topo.

Galvão citou como último grande momento da seleção brasileira a conquista da Copa das Confederações em 2005. Sim, o torneio da ilusão que inebriou o país naquele ano e também nas duas edições seguintes, em 2009 e 2013.

Pois nas vitórias sobre Alemanha e Argentina há quase 14 anos, um dos destaques foi Robinho. Um ano antes chamado de mimado, marrento e irresponsável ao baixar o calção do amigo Diego Ribas e se transformar no culpado pela eliminação no Pré-Olímpico, tirando a chance de uma geração promissora disputar os Jogos de Atenas.

É evidente que tem faltado um trabalho nas divisões de base com respaldo e apoio da gestão da CBF. Edu Gaspar virou coordenador por ser o homem de confiança de Tite, em uma bizarra inversão de valores. A base caiu no seu colo e as decisões foram tomadas sem grande conhecimento. Agora chega Branco com a típica "boleiragem" que ataca o periférico, com churrascos e críticas veladas à qualidade da geração, e mais uma vez esquece do principal: o campo.

A última vez que o Brasil contou com um trabalho de real integração entre seleção principal e a base foi com Mano Menezes e Ney Franco. Interação, estudo e antenas ligadas ao que estava acontecendo no futebol pelo planeta. Não por acaso foram as últimas conquistas do torneio continental e também do Mundial no Sub-20, em 2011.

O jogo mudou e nos empurrou para fora do protagonismo. Nos títulos coletivos e, consequentemente, nos individuais. Guardiola, Mourinho, Klopp, Ancelotti, Simeone e outros tiraram os trunfos dos nossos craques no cenário mundial: tempo, espaço e marcação individual.

Com linhas compactas, pressão sobre o homem da bola e o bloqueio por zona o jogador precisa pensar e agir rápido, tomar as decisões certas. Nossa cultura ainda é de jogo intuitivo e condução da bola. O "pra cima deles!" de Galvão ainda é o nosso mote. Mas como, se no domínio já tem alguém pressionando e na hora de partir para o drible e "gingar" há um muro de oito ou nove jogadores em, no máximo, 30 metros?

O Brasil conta com ótima geração de dribladores: Neymar, Douglas Costa, Vinicius Júnior, David Neres, Willian…Só que a questão agora é saber a hora de tentar a vitória pessoal, com um trabalho coletivo para potencializar o talento. Os treinadores nos clubes europeus conseguem, já os daqui…

Impossível dizer se Romário, Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho e Kaká, os brasileiros que ganharam os prêmios de melhor do mundo, conseguiriam se impor hoje. Mas é fato que Messi e Cristiano Ronaldo se adaptaram melhor ao contexto e sobraram por dez anos. Neymar tentou furar a bolha e se aproximar, mas sem sucesso. Luka Modric, que ganhou tudo em 2018, é o típico meio-campista que deixamos de formar. Arthur é a exceção à regra. Brotou meio ao acaso e deve gratidão eterna a Renato Gaúcho no Grêmio.

Tite conseguiu alguns espasmos de reação, com o título mundial do Corinthians em 2012 e tornando o Brasil competitivo, sobrando nas eliminatórias e equilibrando a disputa com as principais seleções do planeta. Mas ainda não é suficiente para recuperar protagonismo.

Já passou da hora de sermos humildes e aceitarmos que se o futebol brasileiro não tem vencido é porque outros estão trabalhando melhor. Não é saudável nem inteligente se agarrar a teses simplistas ou ao saudosismo. Porque aí seremos nós os mimados, não os jovens com potencial que viram alvos das críticas a cada revés.

A bola não é mais nossa e a saída é trabalhar, não choramingar sem tirar os olhos do próprio umbigo.

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.