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André Rocha

Pior que não cumprimentar é Sarri deixar de aprender com Guardiola

André Rocha

11/02/2019 06h27

Imagem: Reprodução Premier League/Sky Sports

O impacto da goleada histórica do Manchester City sobre o Chelsea por 6 a 0 dividiu os holofotes no Brasil com os memes zombando de David Luiz e no mundo todo com a cena do italiano Maurizio Sarri se negando a cumprimentar Pep Guardiola na saída para os vestiários ao final do jogo, deixando o catalão no "vácuo".

Causou estranhamento pelo tratamento cordial que um treinador sempre dispensou ao outro, com elogios mútuos. A justificativa de que não viu o colega de profissão soa como desculpa esfarrapada, já que é um protocolo, algo quase mecânico, automático. Nem o abalo por ver seu time atropelado no Etihad Stadium pode explicar tamanha bola fora.

Mas pior que a falta de educação com Guardiola é a demonstração de que em sua primeira temporada na Inglaterra, Sarri parece não ter aprendido nada com o comandante do atual campeão inglês.

Na primeira temporada de Premier League, Guardiola teve um bom começo, mas sabia que o trabalho não seria simples. Tentou ser competitivo, mas se dedicou mais a aprender. Rodada a rodada, observando o ritmo alucinante, as transições constantes das equipes ao longo da partida. A mistura insana de técnica, jogo físico, intensidade, rapidez.

Perdeu para o Chelsea de Antonio Conte, também em seu "debut" no Campeonato Inglês. Conviveu com as críticas, lutou para garantir vaga na Champions seguinte e não atrapalhar o planejamento do clube. Levou outra pancada no torneio continental do surpreendente Monaco de Mbappé. Ao longo das partidas, porém, foi testando e adaptando a sua maneira de armar as equipes às particularidades dos jogos da liga.

Ainda a posse de bola, porém com trocas de passes e triangulações mais rápidas. O "perde-pressiona" com intensidade, mas guardando mais a última linha para não ser varrido em contragolpes letais. Bola roubada, a aposta em definição mais rápida das jogadas quando os atacantes percebessem os espaços para infiltrar. Atenção também com as jogadas aéreas em bola parada, ofensiva e defensiva, para ganhar os jogos mais complicados.

Com elenco mais jovem e equilibrado e a base do elenco mais habituada ao estilo personalíssimo do comandante, o City voou na temporada seguinte dominando a liga como nenhum outro time e empilhando recordes. Guardiola viu, se adequou com humildade, "temporizou" seu estilo de acordo com o timing da Premier League e se impôs com autoridade.

Domínio que se repetiu na goleada sobre o Chelsea que protegeu mal a entrada da própria área. Se surpreendeu no início do campeonato, incluindo a vitória por 2 a 0 encerrando a invencibilidade do City, a tentativa de criar uma versão atualizada do Milan de Ancelotti – Jorginho emulando o "regista" Andrea Pirlo e Kanté e Barkley ou Kovacic como Gattuso e Ambrosini, marcando e entregando dinâmica ao meio-campo – foi mapeada, neutralizada e tratada como "elo fraco" dos Blues. Mas Sarri insiste, sem tentar se adequar ao contexto.

Os citizens dominaram na execução do 4-3-3 que tem Fernandinho armando de trás e os meias, desta vez Gundogan e Kevin De Bruyne, explorando os espaços entre defesa e meio-campo do adversário. Justamente às costas de Kanté e Barkley que Jorginho não é o encarregado de cobrir, mesmo em um 4-1-4-1. Bernardo Silva circulava por todo ataque, Sterling atropelava Azpilicueta pela esquerda e abria a defesa para Kun Aguero, destaque do duelo com três gols.

Resultado: com 25 minutos o placar apontava 4 a 0. Fechou seis, com dois de Sterling e um de Gundogan, porque o time azul de Manchester, talvez por ordem de Guardiola, equilibrou o respeito ao público e ao adversário triturado moralmente. Trocou passes com calma até o apito final.

Sem um currículo que ao menos explique o comportamento mais "bélico", Sarri tem batido de frente e reclamado publicamente de alguns jogadores e a gestão do grupo dá sinais de desgaste. Ajuda a explicar a campanha que pode levar o Chelsea de novo à Liga Europa e coloca em risco o emprego do treinador. Se ficar, a chance de salvar a temporada é o próprio torneio europeu e a final da Copa da Liga Inglesa. Logo contra o City…

Até lá, o que se espera do italiano é consciência, bom senso e habilidade para lidar com os problemas. Talvez um papo com Guardiola regado a bom vinho, mas não sem antes um pedido de desculpas.

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.