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André Rocha

A noite dos "efeitos colaterais" para Diniz e Sampaoli na Sul-Americana

André Rocha

27/02/2019 06h35

A associação dos estilos de Fernando Diniz e Jorge Sampaoli a "loucura" e "bagunça", mesmo quando carregam a intenção de elogiar, não soam muito justas e condizentes com a realidade.

Ambos só querem que seus times tenham a bola e se desgastem menos física e mentalmente. Dependendo do andamento do jogo até se divirtam jogando futebol. Como protagonistas na partida, também resgatem ou reforcem a autoestima. Dos atletas e também dos torcedores. Todos querem vencer, mas a maioria prefere levar os três pontos para casa com algum prazer na carona.

No entanto, para toda ideia de futebol há uma contraproposta. Antídoto. Ou "efeito colateral" mesmo. Quando se tem como princípio inegociável ser protagonista no jogo, a grande perda é o fator surpresa. O adversário pode se planejar com calma para defender, negar espaços e esperar o momento de acelerar a transição ofensiva e explorar o campo livre.

Na noite de Sul-Americana, isso seria previsível até se Fluminense e Santos não contassem com treinadores de estilos personalíssimos. No Pacaembu e no Maracanã, o River Plate uruguaio e o chileno Antofagasta jogariam atrás contra qualquer brasileiro. A diferença desta vez é que eles sabiam exatamente o que esperar.

Linhas adiantadas, controle pela posse, tentativa de criar superioridade numérica no setor da bola e acelerar os passes nas inversões de jogo para encontrar um ou dois homens contra o lateral do oponente. A resposta óbvia era aproximar os setores, concentrar jogadores na entrada da própria área e evitar o vacilo que permite o espaço para a infiltração.

O River foi mais eficiente nesta proposta. Com apenas 27% de posse, permitiu apenas cinco finalizações no alvo do time paulista. Um terço das 15 conclusões. Parece muito, mas não foram tantas chances claras de vencer o goleiro Gastón Oliveira. Na melhor do primeiro tempo, Carlos Sánchez penetrou pela direita, mas se atrapalhou ao cortar para o pé canhoto e chutou mal.

Na segunda etapa, o efeito da "contraindicação" de pressionar incessantemente sem conseguir ir às redes: com o time mais desgastado, Diego Pituca perdeu a bola, a resposta rápida de pressão após a perda da bola não veio e o contragolpe pegou os zagueiros Felipe Aguilar e Gustavo Henrique totalmente expostos. Mauro da Luz não perdoou na única finalização certa das três do River.

O gol de Soteldo aos 42 minutos foi um resto de esperança, mas não havia calma, gás e bola para construir a virada necessária. Sampaoli "morreu" com uma substituição a fazer, sinal de que não há tanta confiança nas peças disponíveis. Menos ainda sem Rodrygo, Cueva e os laterais esquerdos que provocaram a improvisação de Copete. Algo a ser repensado para a sequência da temporada.

No Rio de Janeiro, o Fluminense tinha como meta um placar confortável para administrar no Chile e obter a classificação que garantiria a inscrição dos contratados Ganso, Léo Santos e Allan para qualificar um elenco também carente para executar um modelo de jogo que exige inteligência e precisão.

Inteligência para dominar espaço e tempo. O deslocamento certo no momento exato para o desmarque. A pressão no setor em que perdeu a bola para retomá-la o mais rápido possível. Precisão no gesto técnico: passe e, principalmente, a finalização.

O Flu construiu um domínio mais claro, com jogadas que tinham começo, meio e fim. A presença de Caio Henrique, improvisado na lateral esquerda e muitas vezes apoiando e criando superioridade por dentro, deixando o flanco para Everaldo, criou problemas para o time do veterano Gonzalo Fierro, ex-Flamengo.

Foram 17 finalizações, nove no alvo. Todas defendidas pelo inspirado goleiro Fernando Hurtado. Com 76% de posse, o time de Diniz nem abusou dos cruzamentos pelo contexto da disputa: total de 32. Tentou na bola parada, na movimentação de Yony González, na aproximação de Luciano e nas habituais entradas de Dodi e Calazans no segundo tempo. Era noite de Hurtado e sem gols no Maracanã.

Santos eliminado e Fluminense em situação mais complicada para o jogo de volta, ainda que não tenha sofrido gol em casa. Alegria dos críticos de qualquer coisa que tente fugir do atual "padrão nacional", ainda mais em contraste com o excesso de pragmatismo da maioria dos times com maior poder de investimento.

Não muda, porém, as convicções de Diniz e Sampaoli. Eles conhecem bem a dor e a delícia do que são e acreditam. Mesmo nas noites mais amargas.

(Estatísticas: Footstats)

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.