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André Rocha

Sampaoli e Diniz estão em prateleiras distantes, mas são nossos "respiros"

André Rocha

03/05/2019 06h26

Imagem: Reprodução CBF

Se o Santos hoje conta com o trabalho de Jorge Sampaoli deve muito à AFA, que conseguiu seduzir o então treinador do Sevilla pelo típico orgulho latino de "servir à pátria", e aos clubes brasileiros mais abastados que, por conta do fracasso da Argentina na Copa do Mundo de 2018, descartaram a grande oportunidade de ter um profissional de altíssimo nível em um momento de retomada da carreira.

Porque Sampaoli é técnico de segunda prateleira no futebol mundial. Abaixo de Guardiola, Mourinho (ainda), Klopp e outros poucos, mas dentro do grupo dos que interferem diretamente na evolução do esporte e são capazes de montar equipes competitivas em clubes dentro de qualquer liga. Como mostrou na Espanha, rapidamente colocando  sua equipe abaixo de Barcelona e Real Madrid, mas já duelando em pontos com as demais, inclusive o Atlético de Madrid de Diego Simeone.

A resposta rápida que conseguiu em desempenho com o Santos não é acaso. Mesmo com tropeço na Sul-Americana e as goleadas sofridas no Paulista fica nítido que ele consegue extrair muito dos seus comandados em termos coletivos e fazê-los evoluir individualmente. Quem no início do ano imaginaria que Jean Mota se tornaria o craque e o artilheiro do Paulistão? Ou que, mesmo ficando fora da final, o time santista formaria com o campeão Corinthians a base da seleção do estadual?

No Brasileiro já é uma das equipes com 100% de aproveitamento. Vencendo por 2 a 1 o Grêmio de Renato Gaúcho, com titulares, em Porto Alegre e o Fluminense de Fernando Diniz na Vila Belmiro. Protagonizando duas das melhores partidas da temporada até aqui. Adaptando-se ao que os jogos pediam e, assim como contra o Red Bull Brasil no Paulista, sabendo se impor mesmo sem controlar a posse de bola.

Mas nunca abdicando do ataque. Intensidade na pressão sobre a saída de bola do Flu e aceleração nas transições ofensivas. Atacando os espaços com Rodrygo e Soteldo abertos, Eduardo Sasha por dentro, Sanchez, Jean Mota, Jorge e Diego Pituca chegando. Sete trabalhando ofensivamente com suporte dos zagueiros Lucas Veríssimo, Felipe Aguilar e Gustavo Henrique. Três para marcar Luciano e Yony González.

Para mudar na segunda etapa com a entrada de Victor Ferraz no lugar de Aguilar e retomar a linha de quatro. Matando o jogo com os gols de Sasha e Sánchez. Finalizando 21 vezes, 13 no alvo. Sofrendo no final o de Pedro, a boa nova do Fluminense que fez o que pôde na Vila. Terminou com 51% de posse, chegou a ter mais de 60%. Ocupou o campo adversário, abriu o jogo com Gilberto e Everaldo, se lançou à frente em busca da reação. Mas fecha a segunda rodada sem pontuar.

A distância na tabela do Brasileiro é menor do que entre as prateleiras de Sampaoli e Diniz. Um já carrega prestígio internacional e currículo robusto, incluindo título da Copa América pelo Chile. O outro ainda tenta moldar um estilo, no campo e no vestiário. Sofre com nossa sanha resultadista e imediatista, arrisca muito e, por enquanto, erra na mesma proporção em disputas no nível mais alto.

Deixou a semente no Athletico bem aproveitada por Tiago Nunes, que fez o time evoluir. No Flu esbarra em problemas estruturais do clube. Também na horrenda arbitragem de Dewson Freitas que interferiu diretamente no revés contra o Goiás no Maracanã. Mas conseguiu duelar com o milionário Flamengo no Carioca. Eliminado na semifinal sem derrota. Ainda assim, o cenário para o Flu na temporada desperta alguma preocupação.

Por que então Diniz é valorizado? Justamente por tentar fazer diferente. Talvez ainda falte encontrar a melhor tradução do que pensa em métodos de treinamento e o tom mais sereno no trato com os atletas. Mas se preocupa com o lado humano, com a valorização da técnica, do prazer de estar em campo. Tem algo a acrescentar. Por isso estava com Tite e Sampaoli recentemente em evento badalado organizado pela CBF. Havia o que dizer, mesmo sem ter vencido como seus companheiros de debate.

Alguns dirão que nos contentamos com pouco. Sim, quem gosta da essência do esporte no país do jogo pragmático se lambuza mesmo com migalhas. Ou com o banquete de Sampaoli. São nossos "respiros", assim como Renato Gaúcho, Tiago Nunes, agora a tentativa do Botafogo com Eduardo Barroca e outras poucas iniciativas. Para suportar mais da mesma mediocridade no futebol brasileiro.

Já está mais do que provado na prática que apenas o resultado não basta. A gente não quer só comida.

(Estatísticas: Footstats)

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.