Há 30 anos, seleção venceu desconfiança em casa e foi "gênese" do tetra
Em 1989, a seleção brasileira completava 19 anos sem títulos mundiais, vivia uma fase de entressafra, o futebol jogado em nossos campos era muito criticado por jornalistas como João Saldanha pelo baixo nível técnico, Zico se aposentaria no final daquele ano e a maioria dos grandes talentos do país já atuava na Europa.
A Copa América disputada em casa era a grande chance de uma conquista. Na América do Sul, o jejum era de 40 anos. Mas a seleção comandada por Sebastião Lazaroni, técnico do Vasco alçado ao posto sucedendo Carlos Alberto Silva por conta da ascendência de Eurico Miranda sobre Ricardo Teixeira à época, não inspirava confiança. Pouco antes da competição havia sofrido uma goleada de 4 a 0 para a Dinamarca, o que motivou a mudança tática para um sistema com três zagueiros.
Para piorar, o início da campanha em Salvador foi conturbado pela insatisfação da torcida do Bahia por conta da ausência do artilheiro Charles. O "Anjo 45", em referência à canção de Jorge Benjor, que foi cortado da lista final com o jogador já fazendo parte da delegação e sendo o mais festejado na chegada. Muitas vaias, futebol fraco e até ovos atirados no campo, um deles atingindo Renato Gaúcho.
A ausência de Careca, grande destaque do futebol brasileiro na Europa atuando no Napoli de Maradona também pesava contra. Nos 3 a 1 sobre a Venezuela na estreia, o primeiro gol sofrido na história dos confrontos com o então saco de pancadas do continente. Depois o empate sem gols contra o Peru com novos protestos.
A virada anímica em Recife nos 2 a 0 sobre o Paraguai, com apoio dos pernambucanos, gols de Bebeto e um melhor desempenho. Para voar no Maracanã na fase final, começando pelo triunfo sobre a Argentina por 2 a 0 – com o lendário gol de voleio de Bebeto e o espetáculo de Romário, com direito a caneta em Maradona e um lance antológico no final distribuindo chapéus na defesa da então campeã mundial, mas errando a finalização. Depois 3 a 0 sobre o Paraguai e a vitória no encerramento do quadrangular sobre o Uruguai.
Exatos 39 anos depois do "Maracanazo". De novo em um 16 de julho, domingo. O "fantasma" de 1950 foi exorcizado no passe de Bebeto para Mazinho que cruzou na cabeça de Romário. Uma festa inesquecível no apito final. Este que escreve estava no estádio e lembra da emoção de ver pela primeira vez a seleção erguendo uma taça. O capitão era Ricardo Gomes.
A escalação: Taffarel; Mauro Galvão, Aldair e Ricardo Gomes; Mazinho, Dunga, Silas, Valdo e Branco; Bebeto e Romário. No fracasso na Copa de 1990, Lazaroni trocaria Aldair, Mazinho, Silas, Bebeto e Romário por Ricardo Rocha, Jorginho, Alemão, Muller e Careca. Meio time.
Mas aquela seleção vencedora no continente seria a base do tetracampeonato cinco anos depois. Na vitória sobre a Itália na disputa por pênaltis no Rosebowl estavam em campo nada menos que sete atletas do time de 1989: Taffarel, Aldair, Mazinho, Dunga, Branco, Bebeto e Romário. Seriam oito se Ricardo Gomes não tivesse sido cortado pelos problemas crônicos nos joelhos que abreviaram sua carreira.
Mais que isso, a ideia de jogo de Carlos Alberto Parreira era muito semelhante à de Lazaroni. Ambos "discípulos" de Zagallo, coordenador técnico de Parreira nos Estados Unidos. Só mudava a linha de defesa. Em 1989, três zagueiros com Mauro Galvão na sobra. Linha de quatro em 1994 com a proteção de Mauro Silva, volante plantado à frente da retaguarda.
Os princípios eram os mesmos: organização defensiva, Dunga onipresente no meio-campo, marcando e distribuindo as jogadas, meias e laterais/alas combinando pelos flancos, Bebeto recuando como meia atacante para fazer a bola chegar a Romário na frente. Não é absurdo dizer que a seleção de Lazaroni foi a "gênese" da equipe que ganharia o tetra. O pragmatismo apostando no talento dos atacantes era muito semelhante.
Agora o contexto é muito diferente e as pressões são outras. Os 12 anos sem título da Copa América já incomodam. Mais ainda os 17 desde o Mundial conquistado na Ásia em 2002. Assim como Careca há 30 anos, Neymar é ausência que pode ser compensada com novas soluções. O clima frio entre torcida e seleção é parecido. Mas pode virar e vencer a desconfiança outra vez.
O certo é que Tite espera ter o desfecho do trabalho como Parreira. A Lazaroni só restou o papel de "outsider" que ressurge de tempos em tempos para explicar mais o fracasso na Itália do que a campanha vitoriosa de três décadas atrás. Bem a cara do nosso futebol que no resultadismo mudou pouco de lá pra cá.
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