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André Rocha

Deyverson x Firmino: a grande diferença entre os estilos de Felipão e Klopp

André Rocha

14/06/2019 16h03

Foto: Agência Palmeiras/Divulgação

Luiz Felipe Scolari não gostou de ouvir que o Palmeiras tem um estilo conservador na coletiva depois da vitória por 2 a 0 sobre o Avaí e comparou o estilo de sua equipe com o do Liverpool que venceu a última Liga dos Campeões.

"Depende do que você entende por conservador. Eu vejo um time na Europa, pode ser que eu esteja errado nas minhas observações, mas eu vejo um time como o Liverpool jogar… Nós jogamos como o Liverpool, reto, para frente", contestou o treinador. 

Na essência, perfeito. São times que procuram definir rapidamente a jogada sem maiores preocupações com o controle do jogo pela posse de bola. Preferem controlar o ritmo e o espaço. Estratégia legítima. E é claro que não cabe aqui nenhuma comparação técnica entre os elencos. Nem foi o mote da análise de Felipão.

Mas vale, sim, ressaltar uma diferença essencial entre as propostas de jogo de Jurgen Klopp e Felipão: a maneira com que trabalha para o jogador que atua no centro do ataque. Novamente, sem nenhuma comparação entre as virtudes e defeitos de Deyverson e Roberto Firmino.

O Palmeiras cruza e lança mais bolas procurando seu centroavante típico. Deyverson disputa com a zaga na ligação direta e finaliza ou prepara para a conclusão de um companheiros nas bolas levantadas que partem dos flancos. No máximo uma parede de pivô em combinação com quem vem de trás com passes rasteiros.

Klopp costuma dizer que uma bola roubada no campo de ataque cria mais espaços que um camisa dez. Mas este conceito não faz com que ele abra mão de um jogador inteligente na movimentação entre a defesa e o meio-campo adversário. Não é dez, mas nove. Roberto Firmino circula às costas dos volantes adversários e abre brechas para as infiltrações em diagonal de Salah e Mané.

Em uma eventual variação para o 4-2-3-1, sistema utilizado por Scolari no Palmeiras, Firmino é, na prática, o "dez". Ou o central na linha de meias atrás do atacante de referência – Salah, no caso. Pensa correndo e faz a bola acelerar, mas com inteligência.

Este é o grande mérito de Klopp no Liverpool. É um time vertical, sim. Ou "reto", como disse Felipão. Mas procura construir com rapidez desde a defesa. A saída de bola é veloz, mas no chão. Com os laterais Alexander-Arnold e Robertson encontrando parceiros no meio-campo – Wijnaldum, Henderson, Milner, Keita – para tabelar e chegar logo ao campo de ataque para acionar o trio ofensivo. Na perda da bola, muita pressão com intensidade para recuperá-la rapidamente.

Com isso constrói um volume de jogo que sufoca o oponente. Não por acaso é um time com bons índices de posse de bola e acerto de passes. Define rápido, se perde logo pressiona, retoma e reinicia. Finaliza muito, mas não é tão forte no jogo aéreo, como demonstra o site Whoscored.com considerando as estatísticas de Premier League e Champions.

Já o Palmeiras, segundo o Footstats, tem números significativos de lançamentos e rebatidas no Brasileiro, enquanto que na posse de bola só fica acima do CSA e no índice de acertos de passes é o lanterna. Também não está entre os que mais finalizam, porém conta com o ataque mais positivo com 16 gols em nove partidas.

É eficiente. Faz mais com menos. Aposta na solidez defensiva, em uma saída de bola sem riscos, passes longos e rapidez e precisão nas ações de ataque. Lucas Lima, o meia central, ora recua para ser mais um a tentar lançamentos, ora procura os lados para articular. Ou pisa na área se juntando ao centroavante para ser mais uma opção de passe para finalização. Sem grande circulação de bola ou posse.

O Palmeiras tem menos volume e é menos agressivo na pressão pós-perda. Tenta recuperar, mas se não consegue em uma primeira tentativa normalmente recua as linhas. Para se defender, mas também atrair o adversário com o objetivo de explorar os espaços às costas da defesa deste. Por isso quase sempre tem menos posse que o oponente.

Tem dado certo diante da concorrência nacional, apesar dos problemas contra o Cruzeiro de Mano Menezes na Copa do Brasil do ano passado. Ali faltou saber trabalhar mais a bola para furar uma defesa bem fechada. Na Libertadores o hábito de não ficar com a bola pesou contra quando precisou esfriar a pressão do Boca Juniors na Bombonera e o jogo de bate-volta beneficiou a equipe argentina na semifinal.

Além de um elenco mais valioso, Klopp também conta com mais recursos táticos e estratégicos para fazer os Reds encontrarem soluções nas partidas. Eis uma vantagem que deveria estar na mira de Felipão para tornar o Palmeiras mais adaptável ao contexto. Como Firmino pode ser meia ou atacante de acordo com a demanda, enquanto Deyverson tem pouco a entregar além do duro trabalho entre os zagueiros adversários.

Porque Scolari é mais conservador, sim. No Brasil tem bastado, mas no mais alto nível é preciso ter ideias mais sofisticadas para duelar com as grandes equipes e os melhores treinadores. Klopp vem apontando tendências e o título europeu dá respaldo à sua visão de futebol. Agora ele é a referência.

 

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.