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André Rocha

"Briga com bêbado" é cenário mentiroso e perigoso para o Brasil no Maracanã

André Rocha

05/07/2019 08h21

Foto: Pedro Vilela/Getty Images

O brasileiro se acostumou a respeitar apenas uruguaios e argentinos na América do Sul. Natural pelo domínio histórico de ambos no continente, seja no universo de clubes ou seleções. A superioridade da seleção verde e amarela se dá apenas nas Copas do Mundo, com as cinco conquistas superando a soma dos dois mundiais conquistados por cada rival.

Mas Peru e Paraguai, depois Chile, Colômbia e agora a Venezuela se candidatando a entrar no grupo, sempre fizeram parte de um bloco intermediário que beliscava aqui e ali. Os dois primeiros com duas conquistas de Copa América cada e dando trabalho nas Eliminatórias. O Peru, por exemplo, tirou a Argentina da Copa de 1970 e o Uruguai da de 1982.

Contra o Brasil, um duro confronto pela vaga na Copa de 1958: empate em Lima por 1 a 1 e a "folha seca" de Didi no Maracanã lotado garantindo a seleção que venceria aquele mundial. Em 1970, duelo pelas quartas de final com a lendária equipe comandada por Zagallo superando os peruanos por 4 a 2 em um dos melhores jogos do torneio em termos de qualidade técnica.

Às vezes é preciso lembrar o óbvio: se não jogar futebol, só camisa e tradição não vão resolver. O Brasil já era o favorito natural para esta edição da Copa América por jogar em casa. Afinal, venceu todas as edições como país-sede: 1919, 1922, 1949 e 1989.

Em 2019 está na decisão novamente. A semifinal contra a Argentina já tinha ganhado ares de "final antecipada". Com a eliminação do bicampeão Chile e por conta dos 5 a 0 sobre o Peru na fase de grupos, o jogo de domingo vem sendo tratado por muitos como uma "briga com bêbado". Se vencer não fez mais que a obrigação e a derrota será vergonhosa.

Cenário mentiroso e perigoso. Até porque a última eliminação brasileira na Copa América se deu por uma derrota por 1  0 para os próprios peruanos em 2016. A seleção brasileira, então comandada por Dunga, ficou em terceiro lugar no grupo que teve Peru e Equador classificados para o mata-mata da edição especial de centenário no Estados Unidos.

O Peru venceu os chilenos com autoridade e estarão no Maracanã com a situação mais confortável. A campanha já é histórica e a conquista será lendária. Pode repetir a estratégia que deu certo também contra os uruguaios nas quartas de se fechar, negar espaços e acelerar contragolpes. Estão com a confiança lá em cima e sabem que se evitarem um gol do adversário no início podem transformar o clima de euforia e "já ganhou" em drama.

Para aumentar a esperanças em nova "zebra", o clima na seleção brasileira é um perigoso misto de festa e desvio de foco. A informação do blog do Juca Kfouri de que Tite pode deixar o comando ao final da competição tomou conta do noticiário. Ainda ganhou mais holofotes com a nota confusa da CBF afirmando que a entidade confia no trabalho do treinador – mas o que se diz é que o profissional é que pensa em sair, não sobre risco de demissão.

Agora a coletiva de Tite no sábado é cercada de expectativas, mas não para falar sobre a decisão no campo. Não costuma dar muito certo. A história mostra que quase nunca há "almoço grátis" na América do Sul. Menos ainda com o equilíbrio de forças na atualidade do futebol mundial.

Sim, nas últimas eliminatórias o Brasil nadou de braçadas, mas porque entregou desempenho muito acima dos concorrentes. Agora o rendimento vem oscilando. Os 5 a 0 no primeiro confronto foram um tanto "mentirosos", condicionados por eventos da partida que não costumam se repetir.

A final será dura no campo, ainda que fora dele insistam em um discurso arrogante – ou seria uma casca de banana para desonestamente gritar "Vexame histórico!" em caso de revés? As respostas virão no domingo.

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.