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André Rocha

Flamengo "europeu" já muda de patamar na América do Sul

André Rocha

29/08/2019 04h14

Foto: Wesley Santos/ Agência PressDigital

O Flamengo está na semifinal da Libertadores pela primeira vez no formato atual, com mata-mata. É o "intruso" no meio de Boca Juniors, Grêmio e, muito provavelmente, o River Plate que deve confirmar a vaga contra o Cerro Porteño. Os argentinos finalistas de 2018 e o campeão do ano anterior.

Não é pouco e a ascensão foi relativamente rápida. Se os investimentos começaram a aumentar em 2015, o acerto na estratégia só se deu no meio deste ano. Uma virada "à europeia" que carregava seus riscos, mas teve tempo para dar certo.

Porque tudo poderia ter ruído contra o Emelec. Jorge Jesus ainda começava a entender na prática o que era o futebol brasileiro, Rafinha, Pablo Marí e Gerson se adaptavam ao novo clube e Filipe Luís nem tinha estreado. Todos vindo do Velho Continente.

Eliminação na Copa do Brasil para o Athletico e desvantagem de 2 a 0 em Guayaquil, com direito a erro grosseiro de Jesus escalando Rafinha no meio-campo e lesão grave de Diego Ribas, além de outros contundidos.

A remontada e o triunfo nos pênaltis, porém, deram o respiro e a confiança. Jesus foi entendendo o elenco que tinha em mãos, a ponto de arriscar variações táticas: do preferido 4-1-3-2 passando pelo 4-4-2, 4-2-3-1 e até o 4-1-4-1 utilizado pelo antecessor Abel Braga.

Mas com outra dinâmica, mais atual e sempre voltada para o ataque. Intensidade máxima, rotação na frente e vocação ofensiva. No empate por 1 a 1 no Beira-Rio que garantiu a vaga entre os quatro melhores do continente, uma atuação coletiva mais sólida que nos 2 a 0 sobre o mesmo Internacional no Maracanã. Com Gerson recuado fazendo dupla com Cuéllar na proteção da defesa, mas uma inversão de posicionamento entre Everton Ribeiro e De Arrascaeta, este mais à direita, que desarticulou a marcação adversária. Sem contar a postura agressiva que poderia ter dado resultado no primeiro minuto se Gabriel Barbosa não tivesse perdido chance cristalina à frente de Marcelo Lomba.

Ainda durante a partida o time gaúcho foi criticado pelo comportamento mais cauteloso em sua casa precisando de dois gols. Foi mesmo difícil entender a opção mais uma vez por D'Alessandro e Rafael Sóbis. Ainda que a mudança tática para o 4-2-3-1 com Patrick pela esquerda, Sóbis do lado oposto e D'Alessandro mais centralizado atrás de Guerrero, encaixotado entre Rodrigo Caio e Pablo Mari, fosse interessante para tentar surpreender o adversário.

Mas como atacar de peito aberto um oponente tão confiante, organizado e que fustigava a todo momento? Houve muito mérito do Flamengo no aspecto mental. Imposição de estilo desde o primeiro minuto. Só deixou de ser dono do jogo depois do gol colorado, de Rodrigo Lindoso na cobrança de falta pela esquerda de D'Alessandro.

O único momento de instabilidade até Arrascaeta acionar Bruno Henrique em rápida arrancada e assistência para Gabriel, que perdera outra chance clara no fim do primeiro tempo, não perdoar. O Fla das onze finalizações, uma a mais que o rival que precisava de dois gols não merecia sair derrotado, mesmo classificado.

Porque aquele time frágil, no fio da navalha e que sofria demais em jogos grandes no sul do pais ficou para trás. O Flamengo "europeu" de Jorge Jesus mudou de patamar. Difícil prever como estará em outubro para os duelos contra o Grêmio, decidindo a vaga na final dentro do Maracanã. Provavelmente não contará mais com Cuéllar, que deve fechar mesmo com o Al-Hilal.

A luta pelo topo da tabela no Brasileiro também será dura, com duelos contra Palmeiras e Santos no Rio de Janeiro até o fim do primeiro turno. Já a equipe gaúcha decide a vida na Copa do Brasil – é favorita para chegar à decisão, talvez em um Gre-Nal histórico.

E o "jogo mental" já começou com Jesus discordando de Renato Portaluppi sobre quem apresenta o melhor futebol do país. Até porque é difícil mesmo para um português entender a cultura copeira do Grêmio que despreza o Brasileiro por pontos corridos. A guerra de provocações deve seguir até o primeiro embate em Porto Alegre.

O Fla do povo e do dinheiro agora também se impõe no campo. Graças a uma guinada que tinha tudo para dar muito errado, mas agora pode resultar num final de ano enfim vencedor para os rubro-negros. E mesmo que não venham os títulos o torcedor já tem muito do que se orgulhar. Começando pelo feito inédito no continente.

(Estatísticas: Footstats)

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.