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André Rocha

A maturidade de Roger Machado no Bahia "herdeiro" da Chapecoense

André Rocha

01/10/2019 08h05

Imagem: Divulgação / Bahia

Roger Machado iniciou a carreira como auxiliar-técnico do Grêmio em 2011 e chegou a comandar a equipe em dois clássicos Gre-Nal. Mas só assumiu o comando de um time profissional em 2014, no Juventude. Apenas cinco anos de atividade e sem encerrar uma temporada desde 2015.

Não é exagero dizer que, aos 44 anos, vive uma primeira etapa no ofício, dentro do aprendizado diário no futebol. Ganhou notoriedade precoce com a boa campanha do Grêmio no Brasileiro de 2015, superando a expectativa de apenas lutar para se manter na Série A em uma fase de transição do clube e, combinando desempenho e resultado, chegando à Libertadores.

Depois se tornou refém do próprio sucesso com expectativas exageradas no próprio time gaúcho em 2016 e depois Atlético Mineiro e Palmeiras, equipes com elencos estelares e muita pressão. Decisões equivocadas e alguma dificuldade na gestão de elenco, mesmo sendo um ex-jogador com liderança em campo, eram naturais no processo. Mas como não se expor e desgastar no olho do furacão?

O Bahia surgiu como uma oportunidade de recomeço. Sucedendo trabalho interessante de Enderson Moreira na reta final de campanha vitoriosa no estadual. Em um clube com planejamento e que entende suas possibilidades na temporada. Oferece estrutura compatível com a Série A do Brasileiro e busca ser competitivo dentro de sua realidade. Herdando, de certa forma, o posto da Chapecoense antes da tragédia de 2016, como um clube organizado e emergente, capaz de duelar com os maiores orçamentos do país.

Depois de chegar ao fundo do poço e disputar a Série C, mudanças no estatuto sepultando práticas e políticas arcaicas e nada democráticas fizeram o clube se reinventar e trazer sua torcida para perto novamente. Com gestão mais profissional, programa de sócio-torcedor e sendo forte em casa, na repaginada Fonte Nova.

Com o "plus" da consciência social que gera ações inclusivas, a favor da liberdade e contra preconceitos enraizados no país. Vanguarda remando contra a maré em tempos recentes. Um exemplo a ser seguido, mesmo com o risco que corre todo aquele que não faz alianças de ocasião.

Voltando ao campo, Roger aproveita a condição de "zebra" do Bahia no contexto atual do futebol brasileiro, apesar da bela história de dois títulos nacionais, para tornar seu trabalho mais versátil. Sua equipe parte quase invariavelmente de uma estrutura tática no 4-1-4-1, mas procura ser compacta o tempo todo.

Quando necessita atacar aproxima os jogadores formando triângulos pelos lados, apostando em diagonais dos pontas Artur e Elber abrindo os corredores para os laterais Nino Paraíba e Moisés e usando Gilberto como pivô e principal finalizador – é o vice-artilheiro do Brasileiro com 11 gols.

Mas também sabe recuar linhas negando espaços no próprio campo e guardando a meta de Douglas Friedrich muitas vezes com os dez jogadores de linha em cerca de 30 metros. Sem abrir mão, porém, das rápidas transições ofensivas, especialmente com seu trio atacante. Velocidade, toques objetivos e eficiência no acabamento das jogadas. Proposta que atingiu seu ápice nos 3 a 0 sobre o Flamengo em Salvador. A última derrota do time de Jorge Jesus, lìder e invicto há nove rodadas.

O Bahia foi às redes 27 vezes e sofreu 18 gols. Não está entre os ataques mais positivos, nem entre as defesas menos vazadas. Mas é a equipe com mais jogos sem levar gols: 12 no total. Equilibra os números para se manter na primeira página da tabela. Agora com sonhos mais altos, chegando ao G-6 com os 2 a 0 fora de casa sobre o Avaí e ficando a um ponto do quarto colocado, o Corinthians que tem um jogo a menos.

É óbvio que há aspectos que necessitam de evolução, como aumentar o número de finalizações – só seis equipes concluem menos na competição – e alternar um pouco o jogo em transição com posse de bola quando a equipe está controlando a partida com vantagem no placar. Sem levar sufoco, nem dar tanto trabalho a Douglas, um dos goleiros com mais intervenções no campeonato.

Mas a campanha supera as expectativas, assim como aconteceu na Copa do Brasil: chegou às quartas e foi eliminado em disputa relativamente parelha com o Grêmio de Renato Gaúcho. Time que herdou o modelo de jogo de Roger em 2016, corrigiu problemas, aprimorou virtudes, acrescentou a alma copeira que é tradição do tricolor e constroi uma das trajetórias mais vitoriosas do clube. Um exemplo a ser seguido.

Mais maduro, o técnico vai tentando fazer sua história com passos seguros. Pragmatismo e entendimento das características dos atletas disponíveis. Agora com "casca" e respaldo para domar o vestiário e evoluir no comando. As metas realistas dão serenidade para buscar a superação e a vaga na Libertadores nunca foi algo tão palpável.

Com Roger, o Bahia só cresce como equipe e instituição e aumenta as chances de furar a bolha das grandes potências nacionais.

(Estatísticas: Footstats)

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.