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André Rocha

Por que é injusto desprezar gols em amistosos de Pelé na disputa com Messi

André Rocha

09/10/2019 07h08

Foto: FIFA.com

O grande equívoco de comparar passado e presente é usar os parâmetros da atualidade para analisar o todo. Por isso a contextualização histórica é tão importante e necessária.

Pelé jogou no Brasil, do final dos anos 1950 até a primeira metade da década de 1970. O calendário do Santos tinha como competição mais longa o Paulista. A principal pelo regionalismo natural em uma época sem internet, TV por assinatura e deslocamentos mais rápidos e fáceis dentro de um país com dimensões continentais. O Rio-São Paulo, a Taça Brasil e a Libertadores eram torneios mais curtos. O Mundial de Clubes com duas ou três partidas. Havia espaço para encaixar amistosos.

E é preciso considerar que justamente as excursões eram tratadas como prioridade pelo alvinegro praiano para conseguir manter seu elenco e, principalmente, a estrela máxima. Vale lembrar: não havia cotas de TV nem programas de sócio-torcedor e patrocínios milionários para rechear os cofres dos clubes. O Santos vivia essencialmente de bilheteria, clube social e as receitas com amistosos, "aditivadas" pela presença do camisa dez. Sem ele o valor caía consideravelmente.

Outra situação difícil de ser entendida por quem conhece apenas o contexto atual: o Santos era considerado o melhor time do mundo, então quando pisava em território europeu os principais clubes tratavam os confrontos, mesmo sem valer pontos, como verdadeiras decisões. Não eram simples joguinhos de pré-temporada, ou apenas compromissos protocolares, como acontece hoje com o Barcelona enfiando oito no próprio Santos ou cinco na Chapecoense.

Por isso não parece justo considerar "apenas" os 643 gols de Pelé pelo clube paulista nas partidas que são consideradas oficiais hoje. Assim como os números do grande atleta do século 20, no outro extremo, são insuflados de forma bizarra com gols pelas Forças Armadas em 1959 ou o que marcou, por exemplo, no jogo entre os times dos sindicatos dos atletas do Rio de Janeiro e de São Paulo em 1961.

É preciso ter bom senso para se debruçar sobre os números e a história para fazer um rigoroso pente fino e buscar ao menos os jogos mais relevantes. Eram frequentes partidas contra Internazionale, Barcelona, Benfica, Real Madrid, Juventus. Em 1959, por exemplo, o Santos enfiou 6 a 0, um gol de Pelé, no Hamburgo que seria campeão alemão naquela temporada.

Este blogueiro evita o saudosismo e não é muito chegado às visões romantizadas de que Pelé deve estar sempre em um pedestal, intocável e incomparável. Várias modalidades hoje contam com os melhores de todos os tempos em atividade. Porque tudo evolui, inclusive os esportes. Por que não o futebol? Só que o olhar para o passado precisa ser responsável e não cometer injustiças.

Messi tem muitos méritos pelos 604 que marcou pelo Barça e por estar a quarenta de ultrapassar o brasileiro. Algo que para o padrão do argentino deve ser alcançado no máximo na temporada 2020/21. Mas hoje tem à sua disposição todo ano trinta e oito jogos pela liga espanhola, mais Copa do Rei e, no mínimo, seis partidas pela Liga dos Campeões. É a sua realidade. E é claro que os gols em amistosos pelo time catalão também deveriam ser levados em conta se o mesmo ocorresse com Pelé.

O "Rei" não pode entrar em uma máquina do tempo e ser testado hoje. Assim como não sabemos como seria a carreira de Messi tendo que jogar quase todo dia, mesmo considerando todas as diferenças na prática do esporte, principalmente a intensidade. Então cabe respeitar as particularidades de cada época. Inclusive os gols de Pelé em jogos que não valiam pontos, mas eram encarados pelos adversários como oportunidades de enfrentar o maior e melhor do seu tempo. Não era pouco, nem deve ser esquecido.

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.