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André Rocha

A gangorra de Palmeiras e São Paulo na sequência maluca de jogos

André Rocha

03/11/2019 08h51

Foto: Gazeta Esportiva

É quase um consenso entre treinadores, médicos e fisiologistas que o cenário de sonhos no futebol profissional em alto nível seria de um jogo por semana. Para combinar descanso, recuperação e treinamentos. Dentro da realidade em praticamente todo o mundo de jogos de liga e copas nacional e internacional, o melhor quadro é de uma semana "cheia" e outra com dois jogos.

Necessário ressaltar que o desgaste do jogador é preciso ser medido dentro de uma disputa em alto nível e em comparação com o adversário. Ou seja, o cansaço que é imposto pela intensidade do oponente. Não dá para comparar com o peladeiro que brinca todo dia. O atleta profissional aguenta jogar de domingo a domingo e muitas vezes faz isso nas férias, mas não com as exigências de uma competição.

Dentro deste contexto é possível notar a loucura que estamos vivendo neste returno de Brasileiro. Mais insano ainda é o calendário do Flamengo, que nas duas semanas livres em outubro decidiu a vida na Libertadores. O Grêmio, adversário na semifinal, também, mas poupando titulares nos dois jogos pelos pontos corridos que antecederam as partidas de mata-mata no torneio continental.

Jorge Jesus acabou fazendo uma espécie de "rodízio natural", por conta de lesões, suspensões e convocações. Mas, mesmo assim, os titulares começam a dar claros sinais de cansaço e o treinador português já começa a mudar a prática: contra o Goiás, Rafinha e Gerson iniciaram no banco de reservas. E mesmo com o empate por 2 a 2 com o Goiás a sequência de bons resultados com desempenho satisfatório na maioria das partidas é surpreendente.

Porque todos sentem dificuldade. Não só pelo excesso de jogos, mas principalmente por conta da falta de treinamentos para corrigir erros e testar novas soluções. O aspecto mental, com exigência de concentração máxima, vai exaurindo também os atletas.

Por isso São Paulo e Palmeiras viveram uma espécie de gangorra na semana que passou. O atual campeão brasileiro e vice-líder desta edição não foi bem na vitória fora de casa sobre o Avaí por 2 a 1 no domingo passado, atropelou o São Paulo por 3 a 0 em sua casa e, de novo no Allianz Parque, sofreu para vencer um Ceará repleto de reservas por 1 a 0. Com Weverton pegando pênalti e salvando o time com outras duas defesas espetaculares. Sem contar o polêmico gol anulado do time visitante pelo VAR por impedimento bastante duvidoso de Bergson.

A obrigação de vencer para tirar uma diferença que agora é de cinco pontos, mas com um jogo a mais em relação ao líder Flamengo, já seria desgastante. A falta de tempo para treinar e se concentrar no desempenho da execução do modelo de jogo só pode aumentar a oscilação. É claro que o nível dos adversários e o contexto de cada partida ajudam também a criar a instabilidade, mas o caso do Palmeiras foi curioso porque a partida mais tranquila foi teoricamente a mais difícil.

O São Paulo esteve irreconhecível no clássico do meio de semana, depois de boa atuação nos 2 a 0 sobre o Atlético Mineiro no Morumbi. O pior dos times de Fernando Diniz apareceu no estádio do rival: posse de bola inócua e fragilidade defensiva. Para voltar a encaixar um bom jogo no fim de semana, com os 3 a 0 sobre a Chapecoense na Arena Condá. Destaque para a redenção de Antony com um golaço. No caso tricolor, o nível dos adversários pesou um pouco, ainda que a Chape viesse de uma grande vitória como visitante sobre o Galo. Ou seja, todos estão mesmo nessa gangorra.

Porque a exigência de compactação de setores, atenção no gesto técnico quando pressionado e outras demandas do futebol atual pedem o melhor dos atletas. E como trabalhar coletivamente sem exercitar com tempo para correção?

Para muitos é "mi-mi-mi". Para quem trabalha, porém, é o mínimo para atender as cobranças por resultado e desempenho. Na impossibilidade de responder bem nos dois níveis, os três pontos são a prioridade. O Palmeiras não foi bem em duas partidas, mas somou nove pontos e melhorou o aproveitamento que era de 66% – na média, dois pontos a cada três disputados. Eis a única boa notícia.

Para o São Paulo, a recuperação rápida que mantém a caça ao Santos pela terceira colocação e a vantagem sobre Grêmio, Internacional e Corinthians na disputa pela quarta vaga direta na fase de grupos da Libertadores do ano que vem. Em rodada de Gre-Nal e do grande rival, em crise, indo ao Rio de Janeiro enfrentar o Flamengo.  Quem vai oscilar? Ou todos vão?

O campeonato pode ganhar em emoção, mas perde em qualidade. E ainda vem por aí a última data FIFA, desta vez desfalcando os times apenas dos estrangeiros convocados. Tudo por conta de um calendário inchado pelos estaduais e que agora deveria entregar o filé, mas só resta o bagaço de profissionais esgotados por uma sequência maluca de jogos.

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.