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André Rocha

Outro patamar? Jesus já trabalha para colocar Flamengo em nova dimensão

André Rocha

12/03/2020 07h18

Foto: Alexandre Vidal / Flamengo

Pouco antes da cobrança de pênalti convertida por Gabriel Barbosa, no segundo gol dos 3 a 0 aplicados pelo Flamengo sobre o Barcelona de Guayaquil no Maracanã, as câmeras da transmissão do Sportv mostravam os jogadores do time equatoriano não só exaustos, como desnorteados. Sem entender exatamente o que estava os atropelando em campo.

Provavelmente porque o treinador Fabián Bustos estudou o campeão brasileiro e sul-americano de 2019. Ou a equipe que enfileirou três taças em fevereiro deste ano. A má notícia para ele é que Jorge Jesus escolheu justamente a estreia na Libertadores em casa, com mais titulares em campo, para começar a colocar em prática uma espécie de Flamengo 2.0.

O português sabe que agora o time carioca é o mais visado e estudado no país e no continente. Por isso trabalha para criar novas soluções para surpreender os adversários. Não só adicionando características ao elenco, como as de Thiago Maia (primeiro volante construtor), Michael (ponta driblador) e Pedro (centroavante de referência), mas também acrescentando repertório ao modelo de jogo.

Começando pelo aumento da intensidade. Na pressão para roubar a bola mais rapidamente depois da perda e também na circulação dos passes. Com jogadores mais próximos e se movimentando para dar opção aos companheiros. Não raro ver Everton Ribeiro, Gabriel Barbosa, Bruno Henrique e De Arrascaeta em uma mesma faixa de campo.  Procurando a bola para combinar ou se projetando para receber em profundidade.

Outra adição é Gerson chegando mais à frente para finalizar, driblar ou acionar os atacantes. Influência dos 3 a 0 sobre o Independiente del Valle. Depois da expulsão de Willian Arão e com a entrada de Maia na vaga de Pedro, o campo se abriu para o camisa oito, que apareceu na área adversária para fazer dois gols. Jesus quer o meia repetindo esses movimentos de área a área. Mais um talento se mexendo e dando opção de passe.

Suportado por um Thiago Maia cada vez mais adaptado e já ameaçando a titularidade de Arão – embora Jesus deixe claro que o camisa cinco tem vantagem em um ou outro conceito já assimilado. E a nova dupla de zaga, formada por Gustavo Henrique e Léo Pereira, que transmitiu confiança a Jesus para deixar no banco Rodrigo Caio, titular voltando de lesão e que pouco jogou na temporada.

Um rolo compressor tático e mental que nos primeiros 45 minutos permitiu apenas 28% de posse de bola e 64% de efetividade nos passes de um Barcelona que mostrou nas fases anteriores à de grupo que não é uma equipe fraca. Porém não viu a bola no Maracanã e só não saiu para o intervalo com uma goleada porque o Flamengo, talvez pelas novidades implementadas ou por contar com jogadores voltando de lesão, como Rafinha e Bruno Henrique, e outros sentindo problemas físicos, como Arrascaeta, cometeu erros técnicos incomuns.

Como o contragolpe avassalador de cinco contra dois que Bruno Henrique desperdiçou à frente do goleiro Mendoza. Ou outras tentativas de passes que encontrariam o colega em condições de finalizar com liberdade. As tabelas mais curtas ainda não estão bem ensaiadas e muitas acabaram não progredindo. Mas já colocaram o oponente na roda e nas cordas pelo volume de jogo sufocante.

Para piorar o cenário do Barcelona, Jesus estudou muito bem as fragilidades dos equatorianos no jogo aéreo. Com bola parada ou rolando. Assim foram construídos os três gols. No escanteio curto pela direita que fez a bola chegar a Everton Ribeiro para cruzar na cabeça de Gustavo Henrique. Depois na cobrança de escanteio pela esquerda de Arrascaeta diretamente para Leo Pereira, que desviou e Jonatan Alvez tocou com o braço. Pênalti para Gabigol ir às redes pela 11ª vez no ano.

No início do segundo tempo, o uruguaio repetiria a cobrança pela esquerda na cabeça de Bruno Henrique para decidir o jogo e fazer os rubro-negros diminuírem um pouco o ritmo e só voltarem a acelerar na reta final, com Vitinho, Michael e Diego em campo. E Diego Alves fazer milagre no final em chute de Montaño, na segunda chance do Barcelona. A primeira foi aos sete minutos, em cobrança de falta de Fidel Martínez.

Entre as duas, um atropelamento de 67% de posse e 17 finalizações a cinco – nove contra duas no alvo. Sem necessariamente uma atuação de gala. O Flamengo de Jorge Jesus evolui coletivamente para precisar menos das individualidades. Ou potencializá-las ainda mais em benefício da equipe.

O próximo teste, se o torneio continental não parar por conta da pandemia de coronavirus, será na altitude novamente contra o Del Valle. Jogo decisivo para definir a classificação, a primeira colocação do Grupo A e, quem sabe, até a liderança geral com campanha 100% e a possibilidade de decidir o mata-mata sempre no Maracanã, sede da final em jogo único.

Disputa que vai cobrar mais inteligência e precisão, já que a intensidade fica comprometida pelo ar que falta nos pulmões. Mas o time parece cada vez mais pronto para encarar qualquer desafio, em qualquer campo e contexto. Porque Jorge Jesus no ano passado colocou o Flamengo em outro patamar. Agora trabalha para botar o time em outra dimensão de jogo e aumentar a distância para os rivais.

O primeiro "ensaio" foi promissor.

(Estatísticas: SofaScore)

Sobre o Autor

André Rocha é jornalista, carioca e blogueiro do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Entender de tática e estratégia é (ou deveria ser) premissa, e não a diferença, para qualquer um que trabalha com o esporte. Contato: anunesrocha@gmail.com

Sobre o Blog

O blog se propõe a trazer análises e informações sobre futebol brasileiro e internacional, com enfoque na essência do jogo, mas também abrindo o leque para todas as abordagens possíveis sobre o esporte.