Você consegue imaginar um jogo de futebol no meio da pandemia?
Clubes e federações, não só no Brasil, têm agido em um modus operandi que lembra o do atual governo federal em nosso país: testa os próprios desejos esticando a corda e aguardando respostas das instituições para tentar avançar.
Futebol volta em maio ou junho? No fundo, toda a cadeia produtiva do esporte gostaria, para os clubes ao menos retomarem as receitas de TV, os jogadores voltarem a exercer o ofício e o jornalismo esportivo ter algo mais "quente" para apurar e analisar. As autoridades mais conscientes, porém, sustentadas ou pressionadas pela Ciência e politicamente não querendo carregar em suas biografias as mortes dentro do processo, sempre recuam.
A grande questão é: você consegue imaginar um jogo de futebol no meio da pandemia?
É claro que neste cenário deve ser desconsiderado o absurdo de termos futebol em Belarus, Nicarágua e Turcomenistão. Todos sob regimes autoritários em que a primeira coisa que desaparece é a verdade. Sem fluxo de informações e imprensa livre, os governos manipulam, matam e escondem os esqueletos no armário.
No dia 15 de março, último domingo com jogos no país, ainda não havia uma morte confirmada oficialmente por Covid-19 em território nacional. Tudo ainda estava muito nebuloso, faltava informação correta e o que se sabia, de fato, é que o vírus atingia Espanha e Itália de maneira devastadora.
Hoje temos mais de cinco mil mortes confirmadas, mas muitos motivos para supor que o número deve ser bem maior, talvez cinco vezes mais, no mínimo. Por mais que haja vozes dissonantes, defendendo a retomada da vida normal, a maioria começa a sentir na carne, contraindo a doença ou perdendo parentes e amigos, que é simplesmente impossível forçar a barra.
O futebol envolve cada vez mais gente. Diretores, membros de comissão técnica, assessores do clube e de jogadores, elenco de atletas, equipe de arbitragem – incluindo o VAR em uma sala fechada. Viajando, em hoteis, vestiários e no campo. Como testar todos periodicamente? Como ter certeza que o adversário tomou todas as preocupações?
E o contato físico? Imagine a atmosfera de um estádio vazio e todos temendo a contaminação? Talvez não pelo atleta, com suas condições físicas privilegiadas. Mas e se ele mora com o pai, avô ou alguém do grupo de risco? Aliás, o conceito de risco fica cada vez mais abrangente, com mortes de pessoas dentro de todas as faixas etárias e condições de saúde variadas.
Como o treinador vai orientar seus jogadores? Estes terão condições emocionais para se envolver totalmente com a disputa? Concentração, intensidade? Como? A dinâmica do jogo tem corpos bem próximos o tempo todo. Imagine a comemoração do gol, o clímax do futebol, sem torcida e jogadores temerosos de se cumprimentarem, ao menos.
É compreensível a preocupação com estrutura, empregos e salários. Mas pela primeira vez o "the show must go on" que vigora no futebol desde que as questões comerciais e financeiras se tornaram preponderantes não pode ser simplesmente enfiado goela abaixo.
Uma boa oportunidade de reflexão sobre os valores do esporte. Sem confundir o pragmatismo necessário para gerir o negócio por trás da paixão, com ganância e insensibilidade. Para fazer diferente na volta.
Por enquanto, fiquemos em casa. Por maior que seja a saudade de bola rolando ao vivo. É o que resta.
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